O Douro é um rio que corre dentro de nós, como o sangue. Ora ferve, ora corre tranquilo e descansado. Não é preciso estar ao seu lado para sentirmos a sua força. Vive dentro de nós em cada curva, em cada margem, no granito e no xisto, no socalco, na vinha e na oliveira, na amendoeira e na figueira. Estamos longe e ainda é Douro, estamos perto e é o Douro que nos abraça. E nesse abraço cabem tantos pedaços daquele rio, daquele que escorrega pela Beira ao que se encosta a Trás-os-Montes.
Há uma Beira que namora o Douro e se põe à janela por entre os planaltos graníticos. Generosas, estas terras altas oferecem ao Douro os seus proveitos como a cereja, a maçã e a castanha. Frutos produzidos em altitude, têm no frio dos invernos rigorosos a melhor oferta para a necessária dormência das árvores. Já o calor dos verões sufocantes que o granito amplifica, faz a fruta doce, de cor e aroma intensos. Por isso, outrora, as maçãs que se guardavam para serem comidas fora do tempo delas, tinham a função de perfumar as casas pelo cheiro doce que deixavam pelas divisões.
Depois é o Douro Superior, assim denominado por em tempos ser inacessível o acesso a este troço do rio à conta de um monólito de granito retirado, somente, em 1780. O mais quente e o mais seco, enfiado que está numa região xistosa com pequenos apontamentos de granito vai desde o Cachão da Valeira até à fronteira com Espanha. Entendem bem os que por ali moram o que é viver “nove meses de Inverno e três de Inferno” com as amplitudes térmicas a queimar a pele, ora de calor, ora de frio.
Há quem fale do Douro Superior por causa dos vinhos que pelos predicados climáticos e de relevo apresentam caraterísticas invejáveis. Eu prefiro falar desta ponta extrema pelas amendoeiras que bordejam o alto dos montes ou se estendem pelas beiras do caminho. Gosto de imaginar o porquê das designações das variedades: “Bonita de São Brás”, “Marcolina”, “Dona Virtude”, “Boa Casta”. E, é claro, tenho a certeza de que somos mais felizes com a oferta que recebemos da Primavera, as amendoeiras em flor. Por entre aqueles pontos brancos floridos descobrimos o caminho até à terra onde a amêndoa atinge maior formosura. Estamos em Torre de Moncorvo e as “cobrideiras” fazem da sua arte de “cobrir” a amêndoa ressonância das ondas que batem na costa, lá longe. É um longo e suspirado marulhar que os dedos protegidos por dedais fazem ao bater nas amêndoas e no cobre. Entro no coração daquelas mulheres sempre que escuto aquele lento e arrastado movimento.
Tão diferente do Superior fica o Douro ribeirinho, de paisagem verde a fazer sentir o correr da água que nos mostra que o Rio nasce com um destino de chegar, de levar e trazer. Outrora, era esse o destino do Rio Douro, levar até à foz as amêndoas, os figos, as pipas com o vinho, as laranjas que caíam pela viagem, o azeite, a cortiça. E na volta trazia o que o litoral tinha para dar aquelas gentes habituadas mais à carne que ao peixe. O bacalhau, a sardinha salgada ou prensada e o polvo seco faziam o caminho para animar os dias de jejum.
O Douro é um rio que corre dentro de nós. Estamos longe sentimos saudades, estamos perto queremos mais. Os dias esgotam-se, mas o Douro está sempre lá para nós.