Começo por agradecer ao COVID o fato de nada poder fazer para o encarar de frente e me fazer aprender de novo a refletir de novo, a desafiar a minha destreza, a reconectar-me com a minha essência, a ter tempo para agora comandar as tropas em casa e a organizar os momentos de socialização diários à hora das refeições, a olhar pela janela digital por uma nova oportunidade para interagir com o mundo conhecido e desconhecido. Viu-me a ser pela primeira vez cliente do delivery, das encomendas online e seguramente de um desconhecido mundo que até então só me pareceria ser uma miragem e uma realidade das gerações mais recentes. Que hospitalidade estranha! Uma pausa? Dizem. A verdade é que fomos obrigados a parar.
Era em março o começo de um longo e incerto caminho mas que em dezembro deixou muitos restauradores, hoteleiros e muitos outros que diretamente ou indiretamente está envolvido neste sector pelo caminho, como se um daqueles tornados nas Ilhas da América Central tivesse passado pela nossa rua e deixasse todos de alerta ao ponto de enchermos as nossas despensas de esperança, com mercearias e produtos alimentares, mas até quando?
Os telefonemas diários foram muitas vezes substituídos por reuniões em videochamadas, horas sentadas a tentar acompanhar as várias iniciativas de partilha de informação e algumas em simultâneo, os alertas de noticias constantes a informar os números do COVID, as casualidades inevitáveis de um cenário desta dimensão, mas que nos faz sentir apreciados por podermos continuar a reclamar.
O Covid não é um mero espirro. Não é apenas um pedaço de estrada difícil antes de um retorno ao que conhecíamos como certo. É um acontecimento que ocorre provavelmente uma vez em cada século, semelhante a uma guerra mundial, que mudou as coisas e as nossas vidas permanentemente. Eu estremeço agora quando leio ou oiço que um suposto rival de negócio vai fechar o seu restaurante ou hotel. Em tais terríveis circunstâncias económicas, é muito difícil, no entanto parece desnecessário criticar seja o que for ou fazer juízos de valor. Agora é definitivamente a hora de mostrar a quem resiste e a quem fecha a porta um pouco de compreensão, carinho e suporte.
Na cozinha, simplesmente não se pode apressar as coisas. Como a ciência de qualquer coisa, leva tempo para cozinhar as coisas corretamente. Há uma razão pela qual os chefes dizem, “uma panela de relógio nunca ferve.” Na cozinha e na vida, às vezes a pior coisa que podemos fazer é forçar algo que não está pronto.
Agora o momento é de entreajuda, de apoiar, de estar disponível e fazer o necessário para contribuir com o bem, dar força a quem precisa, estabelecer pontes de conhecimento. É óbvio que não conseguimos controlar tudo à nossa volta, mas enquanto nos concentrarmos nas coisas que conseguimos fazer, melhor estaremos preparados para o que aí vem, e estou a falar em gerir o que temos em vez do que não temos: “clientes”, a capacidade financeira e reajustar como utilizamos os nossos recursos. E se calhar pelo caminho temos de tomar algumas decisões difíceis: acreditem o COVID não vai durar para sempre. Lembrem-se do que significa fazer a mise-en-place.
A atitude é contagiante, lembrem-se que os momentos de maior orgulho nascem geralmente nas maiores dificuldades. Como qualquer bom restaurante, sempre que está no lodo tem as suas equipes em pressão constante e o trabalho em equipe é fundamental. E no meio das “ervas daninhas” é como a tagarelice que gravita à nossa volta, parece nunca terminar, e às vezes sentimo-nos sem confiança, desmotivados e até exaustos. Mas, como em qualquer coisa na vida, depois da tempestade passar e nós sairmos do outro lado, com o sentimento de sobrevivência, de conquista, a resiliência que nos torna mais fortes. Aguentem e tenham a humildade de buscar alternativas seja onde elas estiverem. Mudem, mudem até o produto que o vosso mercado estiver disponível a consumir.
Deixo aqui um testemunho positivo do meu estimado amigo e ex-colega Paulo Fortes (Chef Executivo VVP): “Que 2021 nos devolva a liberdade que todos perdemos nestes últimos meses, que deixemos de sorrir apenas com os olhos e que passemos, de novo, a dar um bom aperto de mão.”
Bom natal para todos vós e vossas famílias.