Quem me conhece sabe que sou mais de doces do que de amargos de boca. Mas fico irritada quando a relação é desigual. Faz-me confusão perceber que, em Portugal, o Estado (no sentido lato) pode ficar em dívida com o cidadão durante meses, anos se for caso disso, sem que este último seja ressarcido pela demora no pagamento. Já o contrário não é válido. Um atraso no pagamento mensal da contribuição à Segurança Social traduz-se em multas nada simpáticas. Parece que se o cidadão tem de ser bom pagador que paga a tempo e horas, já o Estado pode ser mau pagador e ninguém se importar com isso.
Vem-me isto à cabeça porque ando a remoer o fato de termos estado com os negócios parados. No entanto, tal não foi impeditivo de cumprirmos os nossos compromissos. Pagámos ordenados, segurança social, demais impostos, fornecedores que (compreendemos) têm a mesma situação difícil que nós e, ainda, outras despesas que são certas. Sobrevivemos a Março, mesmo com as quebras consequentes do fecho das empresas. #Resistimos na esperança de que em Abril teríamos os prometidos apoios tão amplamente divulgados. Do apoio financeiro percebemos ter apenas vulgares linhas de financiamento. É claro que tudo estaria bem se a necessidade de apoio ao crédito tivesse sido motivada por incapacidade de gestão. Mas não, o recurso ao financiamento não foi uma opção derivada de uma má escolha dos gestores. Foram fatores externos. Assim, pergunto: porque não ajudar verdadeiramente quem se está a esforçar?
Dia 30 de Abril. Supostamente, hoje já a maioria das empresas terá tentado cumprir as suas obrigações para com os seus trabalhadores. Mas sobre isso os pedidos de lay off, sabemos, ainda não há novidades. Pergunto: que Estado é este que leva as empresas a acreditarem num apoio que chega tarde e a más horas? Será que num dia em que supostamente as muitas famílias necessitam que o ordenado lhes seja pago não deveria ter chegado uma resposta, uma justificação sobre os pedidos de lay off? Incerteza para o empregador, desgraça para o trabalhador. Pergunto: será que ambos não mereciam, pelo menos, uma indicação de resposta? Se os empregadores pediram o apoio é porque precisam. E se a resposta vier tardia, sofrem os trabalhadores, sofre a empresa. Porque têm de os contribuintes de ser sérios e o Estado passa por cima dessas obrigações?
Imagino que o número avultado de processos tenha provocado o caos nos serviços, mas as famílias, as empresas não têm culpa do mesmo modo que quando, por motivos pessoais, nos atrasamos no pagamento dos impostos compreendemos que o Estado não pode ficar prejudicado. Ora custa-me que tudo seja apresentado como se estivéssemos a assistir a um jogo de ténis, bola para lá, bola para cá.
Para além da ação de comunicação das políticas do Estado em contexto de pandemia, era interessante assistir a medidas que nos ajudem verdadeiramente. Em breve, teremos de pagar os montantes relativos ao IVA. Ora, perante toda a tragédia que assistimos porque não se reduziu a taxa legal de IVA do take-away? Ao invés, vamos ser taxados a 23%. Vendemos menos, temos mais custos e ainda temos que dar ao Estado uma parte maior do que aquilo que dávamos no período antes da pandemia.
Quem não quer ser lobo que não lhe vista a pele. Não nos podem fazer acreditar e depois ficarmos à espera. As famílias e as empresas não podem esperar, não têm margem para isso. Precisamos que o discurso e a ação sejam coincidentes.