O título desta crónica enuncia a pulsão negativa do acto de comer, dos misantropos insociáveis, do contrário da convivialidade consubstanciada em refeições de todo o género, primacialmente símbolo de boas e/ ou estreitamento de relações. E, no entanto, também eu gosto de comer sozinho, especialmente quando vou a uma casa de comeres – restaurante, pensão e hotel onde servem comida, casas de pasto (termo indiciador de pastagens…) tabernas, locandas, fast-food e correlativas –, pela primeira vez, no intuito de observar, ouvir, ver, perscrutar e cheirar as componentes do estabelecimento no qual se praticam duas obras de misericórdia: dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, o vocábulo dar significa pagar.
Uma refeição deve ser reflectida, apurada nos detalhes, sentida e, quantas vezes sofrida, a originar fúrias estilo Bourdain, o que em comunidade não é possível a depuração, no sentido rigoroso da palavra apreciação (exame, análise, radiografia) do degustado.
Se tomarmos como pontos de referência um restaurante discreto, um fast-food e uma taberna popular, não é necessário deglutir aulas na Universidade Gregoriana para percebermos as gritantes diferenças. No entanto, se apertarmos as malhas dos cinco sentidos no que tange a escrutinar a comparação (odiosas diz um provérbio inglês) entre restaurantes da mesma bitola impõe-se a soledade na procura dessas mesmas diferenças.
Sei e tenho visto críticos a fumarem nos intervalos de substituição dos pratos e talheres, tenho observado críticos em alegre e opinativa galhofeira no decorrer de refeições posteriormente publicadas na imprensa, o que me causa negativa impressão. Aprecio pessoas que não se atribuam a si mesmo grande importância, porém defendo seriedade escorada em bons procedimentos no juízo referente ao degustado. Como muitos leitores sabem há críticos exímios a situarem o restaurante e/ou casa de comeres, a enunciarem as particularidades do soalho e do ranger de portas, «esquecendo» o essencial – a comida no que à mesma interessa – elemento principal, acompanhamentos e condimentos –, refugiando-se na mascarada da linguagem de todas as tonalidades. Muitos de nós sabem da existência de um cavalheiro perito na roupagem inglesa de especiarias e outros condimentos a fim de criar obstáculos e fingir de cosmopolita perito na arte de bem cozinhar. Perante a pandemia falaciosa aconselho tomar, de vez em quando, refeições em solitário. Porque fingir, mesmo nas artes culinárias, é fingir.