O famoso e enciclopédico Doutor Samuel Johnson, deixou-nos evidências corrosivas acerca da sociedade do seu tempo Séc. XVIII, nada escapando ao seu faro literário e arguto olhar sobre as bizarrias dos académicos e por isso escreveu: «o homem distingue-se dos restantes animais porque cozinha». 

Ora, em estado de sítio porque «cautela e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém», estamos obrigados a não sairmos do mesmo sítio, chegou a altura de homens e mulheres de recorte urbano demonstrarem os seus dotes de conceberem comida genuína, saudável como os papagaios televisivos proclamam como se os cozinheiros e as Mestras cozinheiras tivessem jurado confeccionarem comida malévola e pestífera por norma a conseguirem o máximo de vítimas empregando o mínimos de esforços e custos para corporizarem o objectivo planeado. O Sr. Bispo de Viseu deixou a benéfica receita: a religião quer-se como o sal na comida, nem demais, nem de menos.

A forçada retenção nos domicílios deviam levar os atarefados chefes ora no defeso a reflectir sobre o evidente – os verdadeiros receituários, os do dia-a-dia – levaram à criação de uma cozinha rural (quase todo o País) que incluía a generalidade dos produtos considerados travejamentos estruturais da tão proclamada cozinha da saúde, das dietas nutricionais conforme o cânone outrora defendido por Hipócrates e discípulos através dos tempos. O que defendia Hipócrates? Entender-se a comida como um acto cultural, levar-se em linha de conta a modéstia (de modo a Gargântua ficar envergonhado, escrevo eu), ser-se prudente em matéria de experimentações.

A dita cozinha rural no tocante a matérias-primas, por todas as razões e as da conservação nos dias seguintes, dava e deve dar prevalência ao que a horta dá, incluindo os frutos das árvores adjacentes. O pai atamancado em casa, cansado de ouvir os gritos e pedidos dos filhos, amofinado ante os suspiros da mulher faça o favor de pensar no que pode adquirir para arremedar os Chefes e conceber as suas próprias receitas. Vegetais do final do Inverno e início da Primavera. Dou uma ajuda: acelgas, aipos, alfaces, alhos-porros, beldroegas, cardos, cebolinho, cenouras, couve-flor, ervilhas, feijões verdes e grelos. Para lá dos vegetais, acrescento sumos de laranjas, tangerinas, limonadas, maçãs, morangos e batidos simples ou combinados. Nas regiões de maior pluviosidade apanham-se cogumelos se forem tomadas as devidas precauções sanitárias. 

O leitor tentado a pôr os pés na cozinha depois do pequeno-almoço formule uma refeição vegetariana, mas não tanto, porque anexim repreende: tudo o que é demais é moléstia, por isso mesmo não se esqueça de acrescentar ovos. Os ovos permitem boas ligações e em caso de «desastre» uma omeleta grávida de cogumelos e feijão verde salva a honra do convento, a do improvisado cozinheiro. Não incluí leguminosas porque o feijão-frade é traiçoeiro, as lentilhas são exclusivo de Esaú e o grão-de-bico pertence a outro calendário. 

O acima expendido não esgota as possibilidades de serem conseguidas excelentes refeições longe das carnes e dos peixes alvo de excomunhão por parte dos fanáticos das alfaces e das nabiças, é o caso de arrozes e cereais. Um arroz repleto de tremoços, cuscos e ervilhas de quebrar são opções que lembro não como sugestão, sim na categoria de tentação.