Na última vez que estive na Fuzeta a maré estava baixa, ensaiei uns passos nos rochedos escorregadios dada a presença de limos, nas concavidades das rochas nadavam satisfeitos pequeninos peixes, as minúsculas lapas suavizaram o amplexo a essas mesmas rochas, fiz o percurso inversos tendo almoçado nas imediações do areal, ovas de polvo, amêijoas cristãs e lulinhas fritas. Uma delícia refeiçoeira apimentada por conversa recheada de condimentos referentes aos algarvios onde não faltou a gozada frase: «és da Fuzeta, comes com o prato na gaveta!».
A astúcia nesta prática permitia aos donos das casas estarem ao abrigo de um inoportuno visitante surgir na hora das refeições e parecer mal não o convidar na maioria das vezes à parca comida dada a forçada frugalidade assentar na penúria, especialmente no Inverno, por um lado a braveza do mar impedia a pesca, por outro o mau estado dos caminhos e a acrimónia do tempo impediam a chegada de víveres à então pitoresca localidade. Os habitantes da Fuzeta carregam esta fama solerte, no entanto, os antepassados apenas partilhavam comida quando muito bem entendiam.
Ora, a pandemia trouxe com ela tremendas dificuldades debaixo de todos os aspectos, mormente no plano das convivialidades no patamar das degustações de comeres e beberes pois o vírus gosta de ajuntamentos de pessoas de todas as idades em geral, dos idosos em particular. Tão trágica evidência obrigará a engenhos e tomada de medidas no propósito de serem minimizados os efeitos da crueldade dos transmissores da peste, daí esta referência às mesas com gavetas usadas na Fuzeta. Os engenheiros e engenhocas depressa concebem um modelo de mesa capaz de responder às necessidades do tempo presente no tocante ao modo de futuramente refeiçoarmos em conjunto. Uma coisa é certa: o universo da hotelaria e restauração, forçosamente, terá de alterar usanças no modo de apresentar a comida, da Idade Média vem o conceito de pôr a mesa, de entender o limpo e o sujo, o quente e o frio, do mesmo modo a preparação dos alimentos porque surgiram novas realidades a exigirem reavaliação de tempos entre o conceber e chegar à mesa. E, como vai ser no respeitante a ágapes e festins colectivos: casamentos, baptizados, convenções e cerimónias correlativas. Lembro: na inauguração da ponte Vasco da Gama a celebração da obra ocupou todo o dorso suspenso da ligação entre as duas margens. Agora, seria impossível!
Estou ansioso em ler as propostas dos cozinheiros consultores portugueses relativamente à concepção de ratoeiras destinadas a aprisionarem as manifestações da pandemia, a prudência aconselha a levar ao extremo o aforismo: «casa roubada, trancas à porta» porque não devemos esquecer o facto de o Diabo ter disparado com…uma tranca. A da protecção? Não sei!