Para a citadina Catarina Amado

Não vou amassar palavras referentes a bolas de carne, folares e folarecos a fim de não maçar o leitor porque no que tange ao tema estão publicados de grande valia alicerçados em bibliografias sérias que vêm inseridas no fim de cada publicação ao contrário da prática negra de copistas preguiçosos e envernizadores de currículos empolados qual égua rabuda prenha de dez meses e meio.

O folar que tenho na memória é o elaborado com farinha do beijinho, azeite virginal da terra quente (isto de hímenes extra devem dar um trabalhão dos diabos a romperem), ovos de galinhas em liberdade e carnes, muitas carnes, de porco bísaro alimentado na infância com leite materno até o aborrecer, a seguir farelos encharcados em leite de vaca, cereais, batatas e castanhas cozidas, depois vianda contendo folhas de negrilho ou olmo, grãos de milho, trigo e grão-de-bico, além de nabos, nabiças, couves, rabas e rabões , sem esquecer as frutas no intervalo das refeições principais. Os bacorinhos assim tratados passavam nédios e bonitos à condição de laregos e finalmente ao estádios de bácoros, assim alimentados até ao dia festivo da sua morte a fim de nos legarem uma carne prenha de sapidez cuja suculência se revela quando bem cozinhada ou no fumeiro bem fumado recebendo o calor e obviamente de fumos provenientes de lenha bem seca de carvalho, castanheiro e vides. Vários escrevedores sobre fumeiros e grelhados dedicam escassa atenção às lenhas provando que não estudaram o conteúdo dos livros e documentos que afirmam terem lido e estudado.

Conseguida a carne gorda, ambarina, agarrada à vermelha na lasca grossa de presunto, os salpicões e as chouriças, está (estava) completa a essencial matéria-prima para se obterem folares de redobrado gosto palatal que lembro a todo o instante e momentos evocativos sem remorso por acicatar quem me ouve. A memória das causas e coisas que alegraram o caudal e a míngua da minha vida espero não a perder no decorrer dos anos até à finitude. Não por acaso os americanos celebram o Memorial Day.

A construção dos folares passava pela minuciosa e trabalhosa tarefa de ser bem amassada a referida matéria-prima com rodelas de salpicão e chouriça bem calibradas, os pequenos rectângulos de presunto ficarem bem doseados pelos folares, os ovos bem batidos, a adição de azeite ser no ponto, a banha estar bem espalhada nos barrinhões onde coziam longamente as bolas de massa e carnes, sem esquecer a oração de encomendação. Depois esperava-se a acção do fogo no forno previamente aquecido. O fogo recebia olhares de fiscalização de tempo a tempo. Depois era esperar, ou não fosse cozinhar a Arte da Paciência.

A minha avó abria um folar a sós depois de os trazer do forno, excepto o marido, eu e a sobrinha Teresa que trabalha lá em casa ninguém assistia ao veredicto: macieza e cor da massa, cozedura das carnes e gordura impregnada na massa à sua volta, crosta crescida ou não, a comer-se com gosto ou a deixar no prato. Se os folares ficavam a seu gosto pugnava por eles sem peias ou reservas nos exames das comadres a seguir às provas nas quais não faltava café das velhas, chás de ervas locais, vinho e às vezes jeropiga. Estes pleitos originavam amuos, até zangas duradouras.

O folar comia-se enquanto existia, a sós ou em companhia de carnes mimosas (cordeiro, cabrito e vitela). A bebida preferida era o vinho. Sobretudo vinho. Para jejum chegava a finda quarentena quaresmal.