A quarentena produziu e vai continuar a produzir profundas alteridades nas cozinha de todo o Planeta, por essa razão as cozinhas nacionais e regionais vão ser obrigadas a mudarem de métodos, não, nunca de apuro paciente quando a rapidez é a palavra-chave de todo o processo. As lentas cozeduras e longas maturações de uma sápida e substancial cassoulet (leia-se o Festim de palavras do filósofo Revel) estão nos antípodas do afã veloz das exigências de o tempo presente já ser tempo passado.
Como irão proceder os cozinheiros? Vão deixar de cozinhar feijoadas? Vão abandonar a prática de apresentarem peças de carne assada sem perderem suculências?
Estas e outras interrogações podemos formular, para lá das exigências sanitárias da colocação da comida a salvo de vírus nas nossas casas. A epidemia vai-nos obrigar (já está a obrigar) a criar novos normativos no e sobre o acto de comer. E novas interrogações surgem. A comida rápida será inimiga da comida tradicional tal como cânone do receituário impõe fora do arbítrio dos chefes? A apresentação dos pratos vai ser diferente? Como vão os cozinheiros no tocante aos produtos sensíveis ao tempo, à sua conservação e transporte?
Comida rápida quer dizer comida cozinhada e levada para onde o cliente lhe aprouver, no entanto, a comida, toda a comida tem que estar a salvo de ficar insípida, inodora e incolor. Nós sabemos o que é o fast-food, sabemos o que é a cozinha fundamentalista de múltiplas verduras desenxabidas e ortodoxias correlativas, não sabemos os distintos modos de proceder em tempo indeterminado em face a matérias-primas delicadas, mimos do renovo, preparações milenares a exigirem cuidados de vários teores.
Estaremos (acho que estamos) a caminhar para a uniformização do gosto, o triunfo do fácil, do envernizamento das insuficiências, o luzimento do «gato por lebre», da banalidade do cachorro quente, da sandocha aviltante da sanduíche, do suculento bife a favor do hambúrguer, da vitória total da doçaria industrial e a derrota das doçarias de cunho local, regional, conventual e monacal?
Tudo pode acontecer, presumidos doutos não sabem explicar as diferenças entre a doçaria monacal (dos mosteiros) e a doçaria conventual (dos conventos). Para eles tanto vale a cozinha da Abadia do Monte Cassino ou da sofisticada cozinha dos Abades do Mosteiro de Alcobaça, e a cozinha do Convento de Odivelas da voluptuosa Madre Paula, e a cozinha do Convento de Beja da ingénua Soror Mariana Alcoforado. Acreditem. É verdade!