Paulo Amado conversou em vídeo para a terceira série do Boca Mole com Pedro Bastos (Nutrifresco), Sérgio Ribeiro (Carnes Jacinto) e Célia Rodrigues (Neptun Pearl) para iniciar um tomar de pulso ao atual momento da restauração em Portugal. Agora surge a mesma conversa em formato entrevista. Ei-la de seguida.

Paulo Amado (PA): Bom dia, bem-vindos a mais um Boca Mole. Estamos hoje aqui numa conexão, numa quadratura entre Setúbal onde está a Célia, Albufeira onde está o Pedro e Esposende onde está o Sérgio. Bom dia a todos vocês que são referências no abastecimento à restauração, acho que têm consciência disso com certeza. Gostava antes de mais de fazer aqui uma ligeira apresentação perguntando como é que começou a empresa em que vocês trabalham e depois já vamos para o resto. Começo aqui pelo Algarve que é sempre a zona mais forte, quente e bonita, não sendo nada tendencioso. Dá-lhe Pedro.

Pedro Bastos (PB): Estamos de acordo, é uma zona bonita de Portugal. Portugal é um país lindo e o Algarve é um bom exemplo disso.

PA: Célia, achas isso não achas?

Célia Rodrigues (CR): Não. Acho todo o Portugal bonito, posso concordar com o Pedro, adoro Esposende, adoro Peniche, adoro Setúbal e Olhão.

PB: Isto é um projecto de família e um projecto de paixão. A actividade em si os meus país iniciaram-na há 40 anos no mercado do peixe em Albufeira e a minha infância foi toda passada ali. Tive experiências fantásticas sobretudo relacionadas com a chegada do peixe do mar na descarga ainda na praia, nos barcos de madeira… Sentir aqueles aromas das algas tudo isso é altamente inspirador, não é? E perceber que as gentes do peixe são muito felizes à volta de um produto que é o peixe, com toda a liberdade associada ao mar… Depois estudei, fui para a universidade, tirei o curso de bioquímica, mas sempre numa ótica de tenho que fazer qualquer coisa com o peixe, há imensas coisas que se tem que valorizar, seja na linha da aquacultura, seja na linha da higiene e segurança alimentar, na linha da investigação. Acabei por regressar para dar uma ajuda na empresa dos meus país, na altura acabei por criar a minha própria empresa a Nutrifresco. Na altura o ponto crítico em termos de comerciais foi perceber que os players do mercado não operavam com a dignidade que eu achava que o produto merecia, porque o preço gastronomicamente é um produto muito interessante, mas ainda era secundarizado. Mesmo no capítulo da gastronomia não havia um respeito, uma consideração, um cuidado, um savoir-faire como existe em França em relação ao produto e eu tentei desenvolver tudo isso. Criei instalações adequadas, meritórias de receber o produto e formei gente para tratar do produto, com carinho, com cuidado, com conhecimento de causa. Ouvimos os clientes, porque foi para eles que nós existimos, sobretudo os chefes de cozinha. Quisemos tentar dar-lhes aquilo que eles mereciam e precisavam para depois desenvolver um trabalho com essa matéria-prima, pegando agora no tema da matéria, para que eles pudessem ter uma matéria-prima mais cuidada, com mais qualidade e ir ao encontro às necessidades deles. Basicamente é a gente da Nutrifresco.

PA: Sabes, eu estava a ouvir-te e tenho a certeza que o Sérgio sente a mesma coisa, é que a tua história é capaz de ser um bocadinho parecida com a do Sérgio.

Sérgio Ribeiro (SR): A história é a mesma, nem sei o que vou dizer, porque é a mesma coisa, tenho a família igual, nasci nisto, desde os oito anos que comecei também a andar com os meus país. Os meus pais e os meus avós já tinham os talhos, sou a quinta geração. Foi sempre isto, só me conheço assim, no meio da carne, dos ossos, do sangue, desmaio quando me corto, não posso ver sangue, mas no meio do talho faço lá a minha vida.

PA: Mas esta preocupação dos chefes e do produto também te diz muito, não é? Essa componente de teres uma herança familiar ok, mas depois esta outra linha da instalação do trabalho junto do produto, de achar se o mercado está preparado ou pelo menos a receber esse respeito.

SR: Foi uma coisa natural e acho que com essa parte assim tão natural que as coisas surgiram e que foram aparecendo e eu agarrando nunca mandando nada do trabalho que fazíamos, sempre da mesma forma, sempre o mesmo produto, só que foi um bocado demonstração porque isto estamos a regredir. Aquilo que tinham antigamente os nossos avós, o tipo de animais, essas coisas todas. é o que se procura, o antigo, o que se fazia antigamente, o produto intacto sem alterações. Estamos a viver num mundo de tanga e então agora a procura e o valor que se dá é o que se fazia antigamente que era não se mexer muito no produto. Estamos agora nesta fase de se procurar, porque cada vez mais as coisas são artificiais. Eu não mexi muito, só atualizei e fiz uma indístria e isto tudo sem nunca mexer em nada, sem ir na mesma onda do que os outros fazem, fazer o que se fazia antigamente, mas de uma forma muito mais atualizada.

PA: Célia, se há recato natural tem que ser onde a ostra cresce, aquele ambiente puro, não é?

CR: É,e rico, abundante e diverso, é um ambiente espectacular… os estuários. Mas pronto, eu sou de Peniche e os país do Pedro compravam peixe a vários barcos da minha família há muitos anos mas só que eu sou a primeira neta e lá de todos os primos eu não podia ser peixeira. Era o que eu queria ser mas eu tinha que estudar, já nasci em 1973, portanto tudo o que veio daí para a frente era para ser diferente, era para estudar isto foi difícil para mim eu nunca fui muito de escola, mas acabei por estudar e seguir o ramo da aquacultura. Trabalhei muitos anos com peixe, mas depois achei um bocado insustentável porque até as coisas evoluírem faz-se muita asneira mas temos que evoluir por cima de toda a folha e assim foi. Fui sempre preparando o meu caminho para abandonar a piscicultura e da forma como é praticada. Eu acredito nos ciclos fechados, as pessoas devem ser responsáveis por aquilo tudo que fazem, portanto não é ir buscar peixe ao mar, é fazer peixe em terra para alimentar peixe em terra, é assim que eu acredito e em breve as coisas vão mudar nesse sentido, penso eu. A dependência do peixe de aquacultura do mar é imensa, de qualquer forma estudei, a primeira vez que vim para Setúbal foi há 20 anos, conheci a história do local e das ostras e claro que vi que era uma espécie portuguesa que não era valorizada. Na altura ainda tinha muito que aprender na piscicultura, não me quis dedicar às ostras, mas ficou sempre o bichinho, um dia vou trabalhar com ostras, até que esse dia surge e já foi há 11 anos. Iniciei o trabalho com uma pessoa que foi quem me apresentou aqui o rio Sado e as ostras, porque eu pedi e fiquei sempre com o senhor Reinaldo e dizia-lhe que um dia vamos trabalhar juntos, só que ele era muita bom, um homem já de idade e que abriu imenso caminho na piscicultura e eu não queria entrar em choque com ele, porque aquilo que eu queria fazer era recuperar a caça à ostra portuguesa, não era produzir por produzir. As ostras são super sustentáveis, porque limpam e melhoram a qualidade da água, são filtradoras, melhoram a qualidade dos estuários que têm muita matéria orgânica. É sempre interessante produzir ostras, criar uma portuguesa felizmente foi possível, hoje em dia já toda a gente pode trabalhar com a ostra portuguesa- Ela ainda é muito rústica, é muita giro ver a evolução da seleção das espécies, porque há diferenças de facto até se conseguir o produto standard, como uma Crassostrea gigas que é 98% da produção mundial. E pronto, depois decidi ter a minha empresa, dei consultadoria a outras empresas para poder ter dinheiro para construir a minha. Aqui também foi muito difícil, porque comecei sem estruturas, a aproveitar zonas abandonadas que são tanques de piscicultura. A piscicultura faliu em Portugal de certa forma indolente, ou seja, em tanques de terra. E na altura ficou muita coisa ao abandono. Eu tive a sorte de também estar a dar consultadoria a uns franceses que aproveitaram a minha opinião da superfície da água para produzir. Eu quando comecei a minha empresa não tinha dinheiro para estruturas metálicas, mesas e etc. Comecei a produzir de uma forma muito interessante e antiga. Embora as ostras fossem produzidas em maternidade a maneira como elas estão no ambiente natural é sobre a lama e são tipo cacho de ostras todos pegados, aquilo que eu faço é estar em ambiente controlado com comportas, semi-controlado, porque trabalho com a água do rio, a circuito semiaberto. Em marés vivas grandes, tenho o substrato duro. Isto é uma das formas de produção que eu uso muito, porque são as minhas ostras preferidas que são chamadas em França de Fine de Claire. Claire quer dizer tanque de terra, é uma afinação que eles fazem em determinado sítio de França, só que só fazem na altura do natal, durante três meses, e eu faço durante um ano. A água é controlada e é com muita pouca densidade por metro quadrado, por quatro unidades, ou seja, elas são apanhadas uma a uma como se tivessem na natureza, que estão, mas só que não estão todas juntas em cacho, estão individualizadas. Fica assim um produto mais rústico não tão standard pois elas não são todas iguais. É um produto espectacular.

PA: Muito bem, antes de passarmos a ti, de voltarmos ao Sérgio para estas especificidades do produto. Há aqui um tema que eu gostava de esclarecer. Já percebi mais ou menos uma linha de empresas familiares, mas há aqui um tema, Sérgio tu tens sócios em Lisboa, gente ligada à restauração… é que parece que isso é um tema interessante de se esclarecer, porque pode interferir de alguma maneira no teu negócio.

SR: É assim, eu recebi esta semana uma OPA, mas eu depois ainda tive que ver o que é uma OPA.. e disse assim será que estou na bolsa ou não. E quando tu me falaste nisto eu disse é obvio que não tenho. jamais terei e era a coisa que mais me iria matar em todos os aspectos era ceder a uma situação dessas. Nunca na vida, eu não estou à venda, não tenho valor, não tenho preço. Eu até gostava de ter uma oferta para perceber quanto é que valho eu.

PA: Só um ponto de ordem porque já ouvi isso, era para esclarecer. Olha viste a Célia aqui a falar desta especificidade desta aplicação de conhecimento às ostras e tu também o fazes em relação à carne. O que é que torna a tua carne especial?

SR: Ora bem, da mesma forma como as ostras crescem.

PA: Mas olha vai falando dos aspectos diferenciadores do vosso trabalho e que faz com que o vosso produto seja diferente ou não, não sei.

CR: Fazem massagens às vacas?

SR: É, também, não somos nós, mas são os lavradores.

PA: Vocês não têm criação de gado?

SR: Também temos três ou quatro explorações espalhadas e depois temos muitos lavradores a tratar o gado para nós. Temos há muitos anos, há 50, 60 anos, os mesmos criadores a fazer e a trabalhar, portanto não andamos aqui a ver como é que corre o barco, atrás de como é que os outros fazem. O nosso método é este. fazemos assim, temos os nossos animais. A diferença é que somos primeiros a fazer em Portugal e na Europa, em maturação fazemos há 60 anos desde o meu avô. Estas são as nossas câmaras onde estão a maturar as carnes, temos estas quantidades absurdas, porque temos muitos clientes em Portugal e no estrangeiro e neste momento é muito ingrato porque fico aqui com o material.

PA: Mas tens condições no ponto de vista da instalação e conhecimento de ciência para garantir que o produto fica aí com o controle devido de humidade e temperatura para o tempo que é preciso aguentar, não?

SR: Pode ficar nem que seja um ano, dois anos, tenho aqui uma peça que vai bater o recorde mundial que já tem uns cinco anos, sempre a ser testada com a universidade e está intacta, perfeita. É um factor único que eu tenho nas câmaras só para teste, então vou levando a peça ao extremo e conforme as coisas vão andando começo a perceber que a câmara está perfeita então é aquele teste de passo natural. A universidade faz testes quinzenais a bactérias e ao estado da peça e leva ao extremo para perceber que as camadas estão perfeitas.

PA: Ok, Pedro no teu caso o peixe é fresco, não é? Nunca pensaste em curar?

PB: Pensar já pensei e queria lá chegar, mas a paixão inicial é mesmo fresco e é por isso que a empresa se chama Nutrifresco, porque eu sempre acreditei que a grande mais valia do peixe tem a ver com a sua frescura, ou seja, o peixe é excepcional se realmente for muito fresco ou consumido no ponto certo. Sabemos também que há peixes que se forem demasiado frescos, a textura é demasiado consistente, como é o caso do pregado que deve ficar a repousar entre três a quatro dias até atingir um ponto de equilíbrio entre o sabor e textura, mas de facto o factor crucial é a frescura. A dificuldade que pode parecer simples, mas é uma simplicidade complexa que é fazer chegar o peixe mais fresco ao cliente para que ele tenha a matéria prima mais pura e imaculada possível para que depois possa decidir se o cozinha logo ou se o deixa repousar ao fim de dois dias, ou quatro dias. Mas um factor de sucesso crítico na nossa actividade é mesmo a frescura e depois claro os produtores a quem compramos o peixe. Neste caso são os pescadores. Conhecemos as artes de pesca, conhecemos a sazonalidade para vender ou não vender determinado peixe, mesmo que o cliente queira. Aí fizemos um caminho de pedagogia em relação aos chefes porque há 15 ou 20 anos, os chefes simplesmente pensavam num produto e o fornecedor estava cá para cumprir o seu desejo e eu comecei a ver que de alguma forma era contra-natura e quase irracional. Porque se nós queremos um produto alimentar, um produto selvagem, temos que perceber qual é a melhor altura do ano para consumir esse produto selvagem e fiz-me acompanhar de vários chefes para explicarmos o porquê que naquela altura e naquele contexto esse mesmo produto não deveria ser utilizado ou consumido. O que é certo é que com o evoluir dos anos chegou-nos a corrente da sustentabilidade e as pessoas começaram a perceber que fazia mais sentido sermos pró-natura do que do que contra-natura.

Eu tive o prazer de na minha infância ir à cozinha do Vila Jóia e perceber através do chefe que era importante que um robalo, por exemplo, tivesse quatro quilos e não apenas um quilo… aquela diferença do peso do peixe significava diferenças em termos de empratamento, em termos de visualização do prato e em termos de textura. E tudo isso começou a fazer sentido na minha cabeça. Sempre que vou à lota venho de lá inspirado, tem a ver com o habitat natural, com as algas, com a frescura, com os aromas e tudo isso, o fim ao cabo, tem a ver com a beleza, com a natureza. Quando nós temos um peixe super fresco na nossa mão, mariscos – agora temos também uma situação de ultracongelados -, uma série de atuns. A minha dor de cabeça é que temos cerca de 500.000€ em atum congelado, comprámos para toda a época de 2020. Agora continuamos a vender felizmente. Os restaurantes que ainda trabalham são take aways de sushi que felizmente continuamos a vender mas não estamos ao mesmo ritmo. Falamos de atum algarvio ultracongelado a menos de 60 graus que é uma situação de risco porque é um super congelador enorme em que se houver uma falha de temperatura ou se tiver uma pequena avaria técnica, coloca em risco uma operação de um ano. Mas para te explicar que para além do ultrafresco vamos também para o ultracongelado. Mós tentamos encontrar para além do factor frescura, que nos motiva, outras opções. Estamos a pensar na opção de maturação, acho que faz sentido também no peixe, porque se para uma sardinha ou para um salmonete faz sentido ser comido o mais fresco possível, para um lírio ou para um peixe que possa ser comido em cru faz sentido uma determinada maturação.

PA: É mais um desafio ou loucura não sei.

CR: Pedro, devias pensar no negócio do peixe seco, eu adorava… Tenho esse negócio na minha família, a minha mãe seca peixe fresco como raia, cação, abrotéa, tudo.

PB: Eu acho que nós estamos a redescobrir algumas das maravilhas do nosso passado e essa do peixe seco pode ser uma delas também para além da terra do litão.

CR: O litão no Algarve, o polvo é realmente Algarve, porque em Peniche a minha mãe não seca praticamente polvo, só a pedido e tal, mas o cação eu penso que é o litão ou não é, Pedro?

PB: O litão é uma espécie de cação, sim. O cação é de porte médio, grande, composto e o litão é um pata roxa, é um cação muito pequenino.

CR: Ah, depois a minha mãe seca, mas com pele, lá no Algarve esfolam antes de secar, é divinal, são produtos espectaculares. Fazem parte da minha infância e hoje em dia também, porque fazem parte dos meus hábitos alimentares. Eu costumo dizer que é divinal e não é para todos e tenho pena, tenho mesmo pena. Podia ser uma coisa mais abrangente e valorizada também? Mas pronto.

SR: Eu sou da opinião que tudo o que os nossos antigos têm para dar é para aprendermos e fazermos como eles faziam e aplicar da melhor forma, porque eles faziam e o produto estava lá. Cada vez mais gente, principalmente no estrangeiro, procuram loucamente essas coisas boas. Por exemplo, eu tenho agora a marca muito mais difundida no estrangeiro do que em Portugal porque é a procura de uma coisa única. Ao português temos que provar muitas vezes o nosso valor enquanto o estrangeiro vem nos dar o nosso valor.

PA: Sérgio, isso quer dizer que os restaurantes e os cozinheiros não valorizam o produto natural?

SR: Vamos devagarinho, vamos ver, temos conhecidos que procuram, que querem saber mais e que gostam de vir ao terreno. Por exemplo, o João Rodrigues é habito ver, procurar. É o maior orgulho andar com ele de trás para a frente. Há outros que não vão atrás, que não querem saber, que não estão para aí virados. Eu costumo dizer que quem me quer, quer o melhor produto do mundo e vem cá e procura. As pessoas que se sentam na mesa vão exigir o máximo, uns querem outros, não querem e outros tem gato por lebre, há de tudo. Quem me procura do estrangeiro é esse que quer e sabe o que quer. Vem de avião de 15 em 15 dias, manda-me a mim escolher… mas gosta de vir cá, gosta de se sentar aqui numa tasca a comer um peixe, gosta de ver o ar, gosta de Portugal. Portanto é isto que temos que transmitir: venham cá.

PA: Ok, boa. Pedro, o Sérgio referia-se agora aqui ao Projecto Matéria que é um projecto inédito em Portugal e que vocês os três, em boa hora, estão ligados. O papel do chefe já aludiste de alguma maneira essa diferença… Como é que foi agora perante este momento? Já aludiste como mudou o papel do chefe, agora tem mais conhecimento, mais consciência e quer saber mais sobre o processo. Pergunto-te agora como é que foi fazermos aqui a transição, como é que foi no início desta crise? Como é que sentiste que era o papel do teu cliente perante o teu produto e a seguir que respostas é que tu preparaste?

PB: Quando referes cliente é o chefe de cozinha?

PA: Sim, falaram?

PB: Em geral houve uma atitude missionária por parte deles e perceberam que todos temos que nos ajudar e houve muitos que ajudaram de forma ativa. Claro que houve pessoas mais afastadas, mas também houve vários chefes que assumiram para eles a missão de ajudar, de suportar o fornecedor na promoção e fizeram, deram a conhecer às redes sociais que têm. E isso ajudou-nos. Criámos o Instagram Peixe à Porta by Nutrifresco, que faz a entrega ao consumidor final, até então a Nutrifresco não tinha qualquer rede social. Só agora é que eu percebi o interesse de uma rede social, porque o nosso trabalho sempre foi muito focado no chefe e na satisfação daquele chefe em específico. Portanto era uma coisa muito elitista e muito dedicada para ele. Agora com este projecto diferente é importantíssimo trabalhar a comunicação em massa. Cada vez que havia uma publicação de um chefe, nós recebíamos 50, 100 novos seguidores, foi importante até porque eles são o garantia da qualidade. Mais do que nós dizermos que temos um bom produto… o que vale é quando um chefe de cozinha reputado diz que o nosso produto é bom. Isso de facto é um bom trampolim e tenho a agradecer por isso.

PA: Ok, em resumo vocês fizeram surgir este projecto do Peixe à Porta, achas que tem condições para se manter?

PB: Sim, e facto tenho gosto nisso e acho que temos condições e vamos viver numa nova normalidade que vai passar, na minha opinião, por alguma prudência social, vai haver uma nova socialização e as pessoas nestes novos tempos vão evitar ir a grande aglomerados, evitar ir aos hipermercados, evitar ir às praças. As praças algarvias no verão são invadidas e é um sítio de contágio de alto risco e eu acho que sim, as pessoas vão querer receber um bom peixe, um bom marisco na sua casa com garantia de qualidade. Um dos factores críticos nesta actividade é saber se o peixeiro é respeitador, não é enganador e se realmente envia o melhor que tem e nós fazemos questão de enviar o melhor e quando não chega o melhor assumimos e trocamos logo, o nosso compromisso é realmente com a qualidade e com a frescura. Por isso, eu acho que isto é uma actividade que será para continuar e fazemos questão disso, a dificuldade vai ser gerir as duas situações. O trabalho que já tínhamos no mercado Horeca e na exportação para 10 países e agora fazer chegar a 500 ou 1000 portugueses o peixe nas mesmas condições que chegam a um chefe de cozinha profissional. Eu gostava de contribuir para o desenvolvimento da cozinha amadora, também já estamos a contar com os chefes na divulgação de receitas, um bocado em modo mais doméstico, não são receitas Michelin como é lógico, mas queremos contribuir para a utilização e para o conhecimento de várias espécies que ainda são desconhecidas entre os portugueses. Nós somos um país que tem cerca de 180 espécies marítimas comercializáveis entre peixe e marisco e eu acho que os portugueses se calhar conhecem 40 ou 50, portanto ainda há muita coisa para descobrir e essa foi a ideia que nós desenvolvemos de cabazes surpresa que tem contribuído muito para chegar espécies surpresa a casa das pessoas, como o peixe porco, como a anchova. É uma forma de dar a conhecer essas espécies e de ajudar e ensinar as pessoas a cozinhá-las.

PA: Célia, tu também desenvolveste o envio do teu produto para o cliente, verdade?

CR: É verdade e foi muito interessante, nunca pensei, também sou assim um bocado não adepta das redes sociais, porque uma pessoa faz tudo e não tem tempo para andar nas redes, mas agora sim, já estou mais dedicada e ainda tenho que activar o Instagram melhor. Os chefes foram muito importantes para mim, porque valorizaram o produto e o que é português. E quem começou por fazer isso e em ter atenção também as práticas de sustentabilidade dos vários produtores foram chefes, e através deles vieram muitos outros inspirados. E os projectos que desenvolveram como o Matéria, etc. Isto foi importante para mim e continua a ajudar-me, nunca pensei… como não se comiam ostras em Portugal. Nós temos história, mas não usufruímos desse património histórico que é a produção dos nossos alimentos, os nossos produtos alimentares são espectaculares.

PA: Tens um processo de envio ao cliente? Em que ponto é que isso está?

CR: Faço eu, também faço distribuição. Só que só fazia duas vezes por semana, os meus clientes sabem.

PA: Como é que o José Júlio recebeu em Portalegre?

CR: Porque eu tenho transportadora também. Envio para Madrid, para muitos sítios, claro que para Bruxelas já não é o mesmo tipo de transporte, mas pronto também envio por transportadora para qualquer sitio de Portugal.

PA: Agora à parte da distribuição que possas fazer cresceram os envios para as pessoas em casa.

CR: Sim, eu não tinha praticamente particulares, agora só tenho particulares neste momento, claro que para a semana já tenho algumas encomendas da restauração. Eu tive um mês sem saber o que fazer e como agir. Eu sempre trabalhei com o intuito de aumentar o consumo de ostras em Portugal. A minha vontade é que toda a gente coma ostras que é um produto nosso, que não é francês. Fomos nós que metemos as ostras em França, isto é nosso bora lá valorizar o que é nosso. Não gostam de cruas, comem assadas.

PA: Libertaste aí uma informação que eu fiquei bastante contente por ouvir, disseste que já tens encomendas para a restauração. Desenvolve aí um bocadinho mais esse tema, há clientes teus que vão abrir e já estão encomendar. É significativo?

CR: Não, não é significativo porque estão todos com medo, as pessoas não sabem o que devem fazer as medidas apresentadas. Também hoje são umas, amanhã são outras, é tudo muito no ar. As pessoas estão receosas. Não sabem como as pessoas vão reagir ao regresso ponderado à normalidade e então é normal estarem a medo.

PA: Que corra tudo bem. Sérgio, tu também estás a desenvolver este projecto de envio de carne de uma loja online, antes de te pedir que ecos é que tens do mercado, explica se faz favor que projecto é esse.

SR: O projecto também é um bocadinho como o Pedro estava a dizer e vai ser também um filme conseguir conciliar isto quando a restauração abrir e o online, que é uma surpresa porque nós não sabemos o que isto vai dar, mas é a posição de uma marca no mercado que já estava para ser lançada há cinco, seis anos. O online sempre pensei que ia ser o futuro e está no ar neste momento. A ideia é aplicar aquilo que nós fazemos na alta restauração e fazermos chegá-la a casa. Uma caixa com várias marcas lá dentro, rica em exclusividade, onde a marca Jacinto está lá presente. É uma marca diferente o online, criei de propósito uma marca diferente para não chocar a alta restauração e o produto está lá dentro como se fosse outro fornecedor. Hoje a marca Jacinto está muito conhecida na alta restauração, muito cliente da estrela Michelin no estrangeiro e em Portugal, basicamente quase todos são meus clientes, mas no estrangeiro é gigante, porque muitas das vezes não sou eu que faço diretamente, tenho três ou quatro parceiros enormes no estrangeiro. Produtos e marcas de alta gama onde eles depois colocam os produtos em vários sítios do mundo, eles gostam de promover, eles não retiram marcas, gostam de ter lá a promover. Eles passam a palavra do meu produto. Eu tenho muito orgulho que o meu produto seja marcado como portugueses, nas redes sociais meto sempre a bandeirinha portuguesa.

PA: Nós estamos a gravar este programa no dia 14 maio, vai sair no dia 15 sexta-feira e dia 18 abrem os restaurantes. Sérgio que feedbacks é que tens dos teus clientes? Já tens encomendas?

SR: É residual, é claro que as pessoas estão preocupadas, não sabem o que é que vão comprar. Eu tenho aqui duas mil e tal peças, estou ao nível do mais dramático que está na Europa, dos grandes que têm produto cheio nas câmaras. Tenho aqui uns milhões largos parados pelo contrário abrindo a restauração é claro que iria ser o descalabro para o problema que vivemos. Tenho aqui umas encomendazitas, vamos tentar. Estou a contar que as pessoas conheçam a marca no online, mas no estrangeiro já começo a notar, já começo a ter encomendas pouco a pouco, mas já com alguma quantidade, lá está o mercado é gigante lá fora. Eles devem estar nas mesmas condições que nós a abrir, é claro que nos temos que ajudar todos um bocadinhos uns aos outros e tentar andar com isto para ver se nos rimos daqui a uns anos desta situação.

PA: Pedro já tens encomendas para a partir de dia 18?

PB: Olha para a restauração encomendas eu acho que temos muito poucas, já temos a informação que alguns vão reabrir. Tal como o Jacinto disse, também acho que o estrangeiro está uma, duas semanas à nossa frente, há umas semanas já fazíamos o envio para a Alemanha, para a Polónia. Em termos de restauração portuguesa, eu acho que isto vai ser em quatro ou cinco graus por isso eu acho que para a semana 10 ou 20% vão reabrir e depois a cada semana as coisas vão normalizando. Os hotéis, sobretudo aqui no Algarve, a partir de 15 de junho é que vão ser os primeiros ousados a reabrir. Portanto eu acho que julho é que estaremos a 80% do normal. Não sei se vamos chegar aos 100%, muita gente vai decidir não abrir, a normalidade acho que não vamos atingir este ano. A esperança que nós temos no Algarve é que nós realmente com o turismo interno tenhamos muitos portugueses a vir e a ficar em moradias e apartamentos e que fiquem a cozinhar em casa e que nós por aí possamos compensar aquilo que vamos sentir na restauração.

PA: Ok, muito bem, bom estamos aqui a terminar, Célia o Pedro falou de esperança o que esperas de bom para o futuro?

CR: Tudo, amanhã é sempre melhor que hoje, espero eu, esta é a minha atitude. Acho que é uma oportunidade, surgiu um novo mercado. Eu ainda não tenho a loja online, é tudo boca a boca, o que me parece interessante no sentido de que tive muito mais aceitação do que eu imaginava, porque uma pessoa vai trabalhando e não dá muita fé daquilo que vai semeando. Então tive esta bela surpresa com os particulares portanto devagar espero brevemente atingir aquilo que estava quando aconteceu isto. Vou aproveitar mais uma vez para abrir caminho, diversificar e fazer outros projectos que tenho em mente e sim vamos continuar e alimentar as pessoas dentro do nosso país. Vamos tentar ser sustentáveis ao máximo, comermos tudo o que é nacional e aquilo que sobrar nós mandamos para fora.

PA: Ok, bom acho que é uma boa palavra final, vocês respeitam os ciclos da natureza e os clientes têm vos dado essa primazia da escolha e temos estado todos contentes pelo vosso trabalho. Muito obrigada pelo vosso tempo, é preciso resistir e cá estaremos para isso.

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