Com a pressa de ver o pôr-do-sol na companhia da minha oliveira favorita deixei passar um dente de leão solitário bem altivo. No regresso, com as ruivas a colorirem o céu, lá vinha eu a procurar o dente de leão que me tinha chamado a atenção. Bem seguro da sua fragilidade, mas vaidoso com as suas minúsculas plumas reparei na sua pose altiva. Uma coisa é certa, ameno está o tempo a fazer adivinhar dias solarengos que podem ser tentação difícil de resistir. O esforço grande que fizemos e continuamos a fazer já entrou na rotina, mas não podemos perder de vista que todos os dias são dias de desafio. Sinto que as mudanças ainda vão no início e que, mais do que nunca, temos que ter disponibilidade para a mudança de direção. Todos vão ter que fazer o seu caminho. Primeiro com soluções que parecem estranhas, vindas do espaço, mas depois já hábitos que iremos interiorizar. O espaço para a certeza será curto, mas a dúvida será prova de que estamos vivos e a viver este momento de desafio. Por isso, desvio o meu pensamento para desafios. Olhar a geografias do sabor português ou pensar no gosto da nossa geografia. Para mim desafio bem mais interessante do que discutir as guerrilhas políticas ou económicas, já era tempo que a política fosse espaço de discussão lúcida e não de conversas que cheiram a preconceito. Geografias do nosso gosto ou o gosto da nossa geografia. Pensar o primeiro parece ser o mais saboroso. Mas não. O segundo para mim, menos óbvio deixa-me mais água na boca. Sobretudo gosto de pensar como as geografias se entrelaçam e se pegam a nós sem disso percebermos. Muito habituados a pensar no Norte e no Sul, no Litoral e no Interior, nas ilhas e no continente e a gostar de evidenciar as diferenças como se elas tivessem significado extremo, nem percebemos de quantas geografias é feito o nosso gosto. Volátil, volúvel, dinâmico, ativo, o gosto corre por aí, pelas geografias recebendo a aragem salgada do mar, a neblina e o frio desconcertante da montanha, as cores a terra e a pedra do planalto, o amarelo acastanhado da planície quente. O gosto salta de casa em casa, de aldeia em aldeia e espraia-se na cidade sentado num qualquer restaurante que nos conforta o estômago. O gosto é filho de todos e de ninguém. Ninguém é o seu dono. Falar do gosto, daqui e dali, de outrora e de hoje, é assim e assado é o mesmo que dizer nada. O gosto é de ninguém. Cada um tem o seu e nele cabem tantas geografias, tantas vontades de transformar a natureza. O gosto começa onde? Longe, lá longe. E nós a acharmos que ele começava aqui. E que nós éramos fiéis depositários e defensores dele. Qual? O que nós temos dentro da nossa memória do palato? Esse é o nosso. E quantas geografias tem o nosso gosto? Tantas, tantas que fazem caminhos do Norte ao Sul, do Interior ao Litoral, do Continente às Ilhas. E nós fazemos esses caminhos em cada refeição que fazemos, estamos todos ligados para além da nossa geografia.
Amanhã, quero ir visitar o dente de leão. Vou vê-lo ao anoitecer e perceber que a sua fragilidade nunca foi uma insegurança para ele. Altivo, tenho a certeza, estará lá a conversar com quem passa. E eu percebo que a nossa insegurança é um desafio que nos dá certezas.