Depois do medo que ameaçou o bem-estar, veio o medo que abalou as nossas certezas. As nossas viagens, os nossos eventos, os nossos negócios, os nossos compromissos, tudo aquilo que nos fazia rodopiar pela vida sem muitas vezes ter tempo para olhar o azul do céu ou ter saudades do mar. Logo que sentimos a restrição sobre os nossos movimentos numa simples saída à rua e começámos a ver o mundo através de uma janela gritámos o nosso amor pela natureza, pela calma das horas, pelo aconchego tranquilo da família. De súbito sentimos saudades de tudo, até das nossas memórias. Ficámos sensíveis às decisões que não tínhamos coragem de tomar e irritados com a nossa teimosia em manter a ubiquidade mais para além do possível. Criados na linha do tempo das certezas, estávamos muito certos do que queríamos para a nossa vida. Um sopro feito história e tudo mudou. Tenho ouvido a muitos como depois disto tudo será diferente, a começar pelos próprios. Que irão mudar de vida, que estarão mais presentes no que é verdadeiramente importante, que saberão selecionar no corrupio da vida. Sinceramente, tenho dúvidas que assim será. Não está na nossa natureza parar, ficar mais reflexivos. Sim, sei que tudo isto foi um abalo, mas rapidamente estaremos viciados em novas adrenalinas, em novas correrias, nem que não seja no mundo digital. O nosso instinto é a fuga em frente, é isso que nos faz evoluir.  Não, não acredito que mudaremos para uma atitude zen só porque vivemos história numa espécie de guerra com um inimigo invisível. Mal nos seja dada liberdade e iremos a correr para os múltiplos compromissos que teremos e aos quais queremos ir. Tenho a impressão que rapidamente esqueceremos como era bom cozinhar todos os dias, fazer o pão em casa, os bolos, descobrir as receitas de família, os jogos de tabuleiro, os livros encostados na prateleira prontos a saltarem para as nossas mãos. Logo que tenhamos ordem, iremos de cabelo ao vento olhando o futuro que é o segundo mais tarde. Não é sequer o dia seguinte, nem o ano seguinte. Não. Será o momento a seguir nas imensas ligações tecnológicas que nos irão agarrar mais ao mundo e aos outros. Qual isolamento, qual quê. Desconfio que estaremos mais ligados que nunca e vamos gostar. Temos novas comunidades, novos grupos com os quais descobrimos afinidades. E sinceramente, não me parece que sejam muito diferentes dos que eram físicos e territoriais. Serão virtuais, mas a eles estaremos ligados por laços que serão muito reais para nós. 

Tenho pensado muito se tudo isto não será um elemento a ter em conta na forma como vamos redimensionar os negócios, apresentar soluções na restauração e nas pastelarias. Uma coisa é certa, ninguém vai parar no tempo. Ninguém vai querer isso. E isso já é um bom prenúncio para sabermos que a mudança não nos vai levar para o abismo, apenas para uma nova forma de estar. Ainda não a conhecemos, mas dia-a-dia seremos nós a mão, ora visível com a nossa ousadia, ora invisível com os nossos medos, que a irá desenhar. Coragem, nesta contagem decrescente para a mudança, apenas vamos ficar diferentes. Mas no fundo, quereremos o mesmo de sempre: dias felizes.