Mal vai o mundo se em vez de olharmos as oportunidades ficarmos presos nas dificuldades. Quando ouço o tom de reclamação perante a mudança vem-me imediatamente à cabeça as teclas encravadas nas antigas máquinas de escrever e os discos riscados onde a agulha do leitor ficava presa numa repetição sem fim. Sem paciência para esse ruído, prefiro e admiro quem já está ver a próxima cena do filme. E felizmente temos muitos protagonistas.
Numa nova fase que começa para todo o setor da hotelaria, os restaurantes e pastelarias estão claramente na linha da frente pelo protagonismo que ganharam durante o Estado de Emergência. A capacidade de adaptação que demonstraram logo após a ordem de encerramento e a autorização apenas para venda para fora foi surpreendente. Enquanto alguns lançavam ao mundo as suas dores como se mais ninguém sofresse, outros de imediato pensaram no dia seguinte e como poderiam estar junto do cliente. É que parece que já foi há muito tempo, mas naqueles dias em que o frio afastava a Primavera das nossas vidas, sentia-se um calafrio de solidão e desnorte. E era recíproco. Na incerteza das ruas vazias era preciso encontrar uma réstia de normalidade e de rotina. E soube tão bem aquela Páscoa com sabor a folar e cabrito para além das portas fechadas e dos cafés bebidos à pressa à entrada das pastelarias. Não deixámos de estar juntos e foi bom receber o sorriso.
Agora temos novo desafio, grande mesmo. Até porque ninguém sabe como tudo vai correr. Alimentar o negócio com as restrições de lugares sentados mais todos os custos que temos que acrescentar ao rol de despesas, não nos permite garantir nada. Mas impossível mesmo é desistir. Talvez seja altura de simplificar o negócio, os procedimentos. Talvez seja importante esquecer os modelos anteriores e perceber as expetativas dos clientes. O mundo inteiro quer sair da redoma em que viveu nos últimos meses, quer encontrar gente nas ruas, sentir o sol, o prazer de estar num espaço de alimentação e sentir o mesmo conforto de sempre. Mais do que nunca é preciso perceber que não existem modelos gravados na pedra e que estamos a tempo de mudar. Pode ser o momento certo para fazer mudanças que têm sabor a ousadia e vão ao encontro da vontade dos clientes. E estes querem tudo. Do conforto da cozinha de sempre às novidades e tendências, da cozinha de tacho à de autor, do prato cheio à elegância da arte no prato, da sandes e do hambúrguer ao legume requintado, da simplicidade ao excesso alimentar, do saudável ao devaneio gastronómico. Os clientes querem tudinho e tudo é sabor.
Talvez o drama não sejam as dificuldades, mas a incapacidade para gerir a mudança de atitudes e de expetativas. Se há frase que me incomoda é a que ouço frequentemente de que nada vai ser igual no futuro. É claro que não, mas a questão é a seguinte: será que perante a necessidade de segurança sanitária nós quereríamos que o serviço fosse feito como antigamente? Temos que mudar, pelos outros, por nós.
Talvez seja de aceitar que não temos respostas porque não existem respostas. O futuro é mesmo uma pergunta cuja resposta ainda não existe. Construímos bocados dessa resposta todos os dias quando arregaçamos as mangas, quando paramos para pensar, quando saltamos sobre as impossibilidades e quando dormimos sobre o assunto. Somos nós que fazemos as respostas que, subitamente, surgem como certezas que parecem ter estado sempre ali. O sabor é o que nos chama. O resto vem atrás. Força, vai correr tudo bem.