Depressa o direito virou avesso. O mesmo é dizer que rápido deixámos de ter uma vivência calma e tranquila com os compromissos todos cancelados e passámos a estar todos online. De repente, estamos lá, algures no virtual. E o problema é que é mesmo a toda a hora. Depois disto, em vez de conseguirmos estabelecer o tempo do trabalho e o tempo do descanso, vamos ter tudo misturado. Bem poderemos criar ordem na nossa vida, mas desconfio que vai ser difícil. As solicitações vão cair sem tempo nem espaço e nós temos que estar disponíveis. Até porque para quem tem empresas não se poderá dar ao luxo de descansar só porque é já hora de jantar, é dia de descanso ou é tempo de descontração. Tendo em conta a forma como as empresas estão a ser levadas ao limite duvido muito que se possam dar ao luxo de dizer “agora não”, virar o telefone e desagarrar dos vários canais em que estamos a comunicar. Há quem diga que depois disto vamos ser diferentes. Ai pois vamos, durante uns tempos vamos ter que fazer um esforço para reorganizar a nossa vida. Nos horários, na disponibilidade, nos esforços que estamos dispostos a fazer. Uns pressionados pela necessidade de sobrevivência, outros pela ousadia em quererem ser diferentes, outros ainda porque não podem perder um minuto sob pena de estarem ultrapassados. Todos vamos ter que estar mais disponíveis. Não digo que isso seja mau. Afinal, gostamos de estar presentes, de fazer parte das comunidades ainda que virtuais e o necessário agora é sobreviver. Não podemos é pensar segundo a lógica da relação de trabalho que tínhamos. As conquistas que fizemos foram só degraus para este momento diferente que estamos a viver e que exige muito de nós. Se vamos conseguir ultrapassar as dificuldades é porque, antes, também soubemos pensar diferente, trabalhar para os objetivos que considerávamos necessários. A reinvenção de que se tanto se fala é apenas ousadia de quem sabe que pode ajudar a segurar o país. Não tem nada de complicado, apenas exige disponibilidade para o esforço, para a mudança, para as novas formas de fazer o mesmo de sempre. E isso vai acontecer naturalmente. Aliás, tal já se começa a sentir. São tantas as ideias inovadoras, é tanta a criatividade que só podemos ficar todos felizes, pois trabalho não vai faltar. Sinceramente, o que me preocupa não é a capacidade das nossas empresas para ultrapassarem este momento menos bom, o que me preocupa é a dificuldade de adaptação dos grupos que estão confortavelmente instalados enquanto esta crise afeta a maioria das pessoas. Preocupa-me a dificuldade que alguns grupos institucionais têm em mudar a sua perspetiva do mundo, do poder, da relação entre as hierarquias, entre o passado e o presente. Ainda vivem segundo o modelo de sempre, estão no passado e o resto do mundo já está no degrau acima. E esses, por vezes, têm a capacidade para dificultar a vida de quem está no terreno. Ainda pensam que é suficiente gritar o que os afligia no passado para alguém os valorizar no presente. É tempo de acordar, estamos a viver um terramoto, um furacão, um abanão que não nos deita ao chão porque temos capacidade de reação. Mas, por favor, acordem os que acham que ainda vivem no mesmo ritmo de sempre. Truz, truz. O mundo está a mudar, o mundo já mudou e vai exigir de todos um modelo de comportamento, uma visão de mundo, um pensar e um agir muito diferenciado. E se uns conseguem, porque não poderemos conseguir todos?