“Guardado está o bocado para quem o há-de comer”. Sempre senti que iria chegar o dia em que estaria preparada para falar do Minho. Seria um bocado bom que haveria de ficar guardado para o dia certo. Acho que é hoje. Não sei se é pela paisagem em escadinhas preenchidas pelo cultivo do milho e vinha em latada, se é pelo bater forte dos bombos nas romarias, se é pela pronúncia e espírito de resposta pronta ou, simplesmente, pelos amigos que lá tenho, adoro o Minho. Do litoral feito de praias de mar batido e milheirais que vão areal adentro ao interior de calor sufocante a fazer notar a barreira física que o Marão e o Gerês impõem à brisa marítima, adoro todos os pedaços deste Portugal Minhoto.
Sempre que lá vou faço questão de contar os rios que atravesso e de os anotar na minha memória. É o Minho, o Lima, o Cávado, o Ave e todos os afluentes que nos atraem na certeza de que o oceano Atlântico para onde correm é o grande regulador do clima. Têm um quê de romântico as palavras de Mariano Feio que nos dizem que o Minho “é um amplo anfiteatro virado para o mar”. Sabe bem pensar que sim, que o nosso Atlântico deambula por todo o Minho e o perfuma com o seu ar salgado e bravio.
Drenado por tantos rios que engrossam com os muitos afluentes, o Minho tem em si a sabedoria de bem cozinhar os peixes nobres do rio como a lampreia, o sável e a lampreia. Apesar da abundância dos peixes do rio, gosto mais do peixe que vem dos mares do Norte e que aqui tem tradição antiga. Perco-me com o bacalhau, dos bolinhos ao “à Narcisa”, “à Zé do Pipo”, “à Gomes de Sá”, à moda de… de todos os cantinhos do Minho.
Mas o que me fascina mesmo é o milho. O milho que cresce à beira do mar, na leira empoleirada e sobreposta e que deixa memória através dos espigueiros que fazem lindas sombras ao crepúsculo. Levado para o Noroeste logo após a sua chegada à Península Ibérica, o milho grosso ou de maçaroca substituiu o milho miúdo e o painço e logo fez valer a sua força nutritiva e a sua excelente capacidade de reprodução. Enfeitiçou pela sua capacidade em cumprir a missão, matar a fome, daí falarmos de revolução do milho. Gosto de viajar pelas receitas feitas ou aprimoradas com a farinha de milho. As papas de Sarrabulho ou o Caldo de Galinha com Farinha. Os Enfarinhados ou os Farinhatos são de uma ternura comovente pela inspiração breve cuja simplicidade espanta. É o milho em versão força bruta e em enfeite.
Despedir-me do Minho terá sempre sabor a pão-de-ló e a doces de romarias. As rosquilhas, os bolos de gema, os brancos, as cavacas, os bolinhos de amor. O pão-de-ló é uma espécie de amor primeiro, irresistível dentro daquelas formas de barro. É claro que depois vem o miminho daquele pão chamado de ló forrado a branco de um glacé disfarçado. E nós suspiramos, aguamos, salivamos até chegar à nossa mão. Já os doces de romaria trazem a festa atrás de si. Imagino-os sempre acompanhados da excitação da festa vivida com sofreguidão pela certeza da sua existência breve de um suspiro de descanso. E o cansaço da distância feita para se viver momentos de devoção, mas também de permissão ao excesso. E o Vinhão nas Cavacas. História linda.
Falta perceber as maçãs do Minho, o Melão Casca de Carvalho, a Laranja de Amares e a do Ermelo. Que terra, que céu, que mãos fazem um Melão que parece que tem pimenta e umas laranjas tão doces? É o Minho sim senhora. Vamos lá? Sei que vão ser recebidos de braços abertos.