Nós #resistimos, claro que sim. Sabemos aguentar e fazer o que nos é pedido. Afinal, ficamos em casa, mas temos a tecnologia a ajudar-nos a ficarmos mais perto.

No entanto, confesso que me apetece gritar ao Mundo que tenho saudades dele.

Não sei porquê este desconforto, eu que até tenho uma paisagem tão bonita para onde fugir sempre que os problemas pesam. Mas a verdade é que sinto saudades de tudo e de todos. Acho que até é por isso que, ultimamente, por muito boa que seja a refeição, como e não consigo saborear. Encho o estômago pela fome que surge sem os horários do costume, sento-me à mesa nas horas supostas, mas não consigo saborear. É como se o sabor tivesse fugido da minha memória. Afinal, é a mesma comida de sempre. Aquela que me fazia água na boca, que me fazia ansiar pela hora da refeição. Até inventava razões para o estômago vazio só para sentir aquele sabor. Agora é quase como engolir em seco. Pergunto-me se será das notícias que, ora escalpelizam o que se fez e o que se fará na crise sanitária, ora nos trazem cenários negros. Bom, a verdade é que para além da informação necessária e de uma olhadela rápida pelos jornais internacionais, fujo do ruído noticioso. Acho que o problema é mesmo a falta dos meus amigos, aqueles com quem discutia os temas do costume e saboreava a refeição. Lembro-me de, na maioria das vezes, falar mais
do que comer. Era mesmo a conversa que sabia bem, eram as palavras que fluíam entre garfadas que faziam sobressair o sabor. A conversa era o condimento, o sal. Falta-me a rotina dos amigos. Tenho uma paisagem de sonho. Tenho o aconchego da família. Mas, falta-me o encontro com aqueles com quem sabia bem falar sobre estas coisas da cozinha. Dos temas difíceis aos fáceis, dos projetos aos sonhos, das vontades aos receios, do passado ao presente. Eram longas refeições onde aquilo que comíamos era muito mais do que estava sobre o prato. Eram as palavras, as ideias, a satisfação da perspetiva comum ou o desafio do olhar diferente. Acontecia tanta coisa numa refeição! E no final sentia sempre uma energia renovada, um bocado acrescentado ao meu peito.
É claro que sim. Iremos cumprir de forma responsável o que nos está a ser pedido. Mas os amigos fazem falta e nada substitui os olhos nos olhos, o abraço, a partilha do sabor. Sem partilha, o sabor foge para um amargo de boca e nem o doce é doce.

Quero mesmo gritar ao Mundo que tenho saudades dele.