Óscar Correia soma mais de três décadas de experiência nas áreas da hotelaria e restauração. Hoje é diretor gastronómico do grupo Plateform — um dos maiores em Portugal, com 26 marcas, onde se incluem o biestrelado Alma, o Tavares e a Sala de Corte — mas a caminhada até ao topo foi longa.

Começou como empregado de mesa, antes de se formar em gestão da restauração na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril. Ambicioso, rapidamente ascendeu a diretor de comidas e bebidas, somando diversas experiências em Inglaterra, Espanha e Portugal — a maioria delas na região do Algarve. “A minha maior paixão sempre foi servir e desenhar experiências que proporcionem magia a quem entra num restaurante”, diz.

Sonhador, entusiasta, otimista e profundamente apaixonado pela arte da hospitalidade, Óscar acredita que a sala terá um papel fundamental na reabertura dos restaurantes e que esta poderá ser uma wake up call para uma maior valorização da função no mundo da restauração.

Quando falamos em hospitalidade, falamos em conectar com as pessoas. De que forma é que isso acontece?

A hospitalidade surge num sorriso, na forma graciosa que nos aproximamos e vamos ao encontro de quem nos visita. A hospitalidade é manter um contacto visual acolhedor, saudar com um tom de voz personalizado — de preferência tratar o cliente pelo nome com descrição devida. É também reconhecer quem volta ao nosso restaurante, acompanhar o cliente à mesa e puxar a cadeira para o fazer sentir bem-vindo. É maravilhoso quando sentimos o carinho de quem repete a visita ao restaurante e nos trata pelo nome, é o melhor elogio que recebemos de volta, é o poder do abraço invisível.

Pode-se falar numa hospitalidade à portuguesa?

Pessoalmente acredito que nós, como povo, somos calorosos por natureza, hospitaleiros e gostamos muito de receber. Penso que temos a nossa maneira peculiar de entender esta expressão pela diversidade do nosso povo, genuíno e tantas vezes com um jeito tão próprio de região para região. Mas hoje competimos com muitos destinos, personagens de grande reputação internacional e onde a aposta recai no investimento dos seus recursos.

Qual foi o restaurante que já visitaste que mais te surpreendeu a esse nível?

Vou ser um pouco vaidoso e dizer que foram todos aqueles onde trabalhei. Mas posso dar-te um exemplo de um restaurante que me marcou, quando o visitei em novembro de 1997. Foi o Gramercy Tavern em Nova Iorque, do chefe Michael Anthony, parte do Grupo Union Square, liderada pelo meu ídolo da restauração, Danny Meyer. Lembro-me de que à minha chegada, a equipa tratou-me pelo meu nome. Por ser um cliente estrangeiro e com reserva antecipada, preparam um snack de boas-vindas, servido pelo próprio chefe que aproveitou e deu-me as honras da casa. Posso dizer que esse momento marcou o resto da minha vida profissional. A hospitalidade como maneira de estar a nível profissional começou aí.

Um cliente está completamente fidelizado quando acontece o quê?

Quando se sente importante, reconhecido e apreciado pela sua presença. Simples.

Como se transmite o ato de ser hospitaleiro? É possível aprender, é algo que se treina?

A hospitalidade é uma arte. E como todas as artes requerem muitos ensaios, treino continuo, aperfeiçoamento, um guião e grandes atores. Acredito que a hospitalidade devia ser uma aula obrigatória nas escolas de hotelaria em Portugal. Afinal como relacionas as emoções aos sentimentos? No final, como é que uma refeição te transporta às tuas memórias? Isso ensina-se. Criando estandartes e procedimentos, de forma a obter consistência. O resto é perceber o espaço do cliente em cada momento.

Então acreditas que um trabalho mais fincado por parte das escolas de hotelaria poderia fazer diferença?

Como tudo à nossa volta se transforma e evolui ou revoluciona, o que é que as escolas de hotelaria estão a fazer para dotar os seus formadores destas alterações de expectativas e exigências no setor? Quem hoje explica o que é um foodie ou um gastrónomo? Como descrevemos a gastronomia portuguesa? Ou até mesmo o mundo digital, o storytelling e o copywriting aplicado à gastronomia? Muito há por fazer.

De facto, o colaborador de sala tem um trabalho mais exposto e, no entanto, nos últimos anos assistiu-se a uma meditação dos cozinheiros. Porquê?

Pondo esta questão de uma forma simplificada, o restaurante é um lugar onde se serve comidas e bebidas e, por isso, sem comida o chefe era dispensável. Na sua mais simples essência, as pessoas vão a um restaurante para comer bem e boa comida. O passado recente veio trazer uma popularidade, fama, e alguns chefes até se tornaram celebridades de televisão e muito bem. Mas a questão é que só o conseguiram porque tiveram grandes equipas de sala e, se lhes perguntares, todos eles dirão o mesmo. Aqui coloco a pressão do lado de quem faz jornalismo e escreve sobre restaurantes. Porque é que só falam sobre os chefes? Os fatores que determinam o sucesso de um restaurante são inúmeros, no entanto o equilíbrio entre todos os fatores impera.
O Fortunato da Câmara escreveu uma vez que um empregado de mesa tem de ser visto como um vendedor qualificado e não como um criado. Hoje, o empregado de mesa passou a ter uma lista extensa de valências como vendedor, contador de histórias, psicólogo, elegante, conhecedor de todos os produtos, confidente, discreto, atencioso, divertido, rápido, lento, informado, fale idiomas… A lista poderia continuar. Sem a sala os restaurantes seriam espaços de fast food!

Estás num grande grupo de restauração, com várias tipologias de restaurantes, desde do fine dining, como o Alma, ao fast casual como o Vitaminas. Como adequas a hospitalidade a cada um deles?

A hospitalidade é transversal a todo o universo, a grande diferença é o nível de serviço que é proporcionado onde a expectativa e necessidades ajudam a montar o cenário. O melhor exemplo que te posso dar é o briefing dado antes de cada serviço pelo responsável de turno onde aborda os pontos mais importantes para aquele momento.

Como diretor gastronómico, qual a tua função?

A função requer um perfil de grande conhecimento de cultura gastronómica global e especializada, tanto a nível de confeção como operacional, para poder acompanhar as tendências de mercado, bem como, criar e desenvolver pratos com os chefes de cozinha de forma a que se desenhem menus competitivos e apelativos — o tal “hype” que os foodies procuram. Tem de haver testes e provas constantes de forma a poder ter consistência na experiência conceptual de um prato, é um trabalho muito gratificante. No fundo, faz-se tudo para poder apresentar a melhor qualidade e a melhor receita aos nossos clientes. Como tudo, em qualquer profissão. tem de haver gestão e por isso há que custear as receitas através de fichas técnicas, escolha do fornecedor, assim como, estabelecer uma relação de valorização a cada prato. A formação desempenha igualmente um grande papel no meu dia a dia porque a filosofia do grupo é apostar nas suas pessoas e valorizá-las de forma a que o serviço nos nossos restaurantes seja o elemento diferenciador do resto da concorrência.

Ao longo de vários anos, Óscar Correia foi diretor de comidas e bebidas e responsável gastronómico do Hotel Vila Vita Parc, em Lagoa — onde se inclui o estrelado Ocean. Foto: DR

E o que os clientes esperam hoje em dia? Com as redes e plataformas sociais, a crítica, positiva ou negativa, propagou-se. Como é que o hospitaleiro se pode adaptar?

Grande pergunta, a resposta para um milhão. Hoje em dia, todos querem as melhores fotos de um prato antes de o consumirem. É a chamada digitalização da gastronomia, é a prova de que ali estivemos, é uma necessidade de afirmação, é a legião dos caçadores de momentos. A parte estética de um prato passou a ser mais exigente e cuidada mas também se tornou num estilo de vida para chefes, bartenders, baristas, sommeliers e [colaboradores de] sala. Quem o conseguir fazer bem tem um marketing grátis e muito eficiente, sem precisar de despender grandes verbas para alguém o ter de fazer. Há uma nova fome social.

Acreditas que esta crise sanitária vai alterar alguma coisa na restauração e no comportamento dos clientes?

Acho que sim. Vai alterar o mercado. Quantos restaurantes vão reabrir? Que mercado resta? Que clientes restam? Qual o consumo e as necessidades? Para a maioria, a perda de compra vai levar os clientes a redimensionar as suas saídas. Em outros casos, os melhores clientes serão aqueles que vão regressar aos nossos espaços e aqueles que conseguimos contactar durante o confinamento através do delivery/take-away.

Como é que adaptaste os restaurantes do grupo à nova realidade pós-confinamento?

Trabalhámos em conjunto com a Diretora de Qualidade da empresa, a Carina Lucas, num manual de contingência e de boas práticas de forma a podermos agilizar uma formação especifica a todos os colaboradores para se sentirem mais bem preparados e confiantes a executar o seu trabalho, com o equipamento de proteção individual e com um método de role play de forma a que este ensaio pudesse sair bem na estreia da retoma. As pessoas quando envolvidas e consideradas surpreendem-nos sempre com a sua criatividade e talento. Somos uma classe habituada a grandes sacrifícios.

Perante a nova realidade, em que medida o serviço de sala se torna crucial na fidelização do cliente? Mais do que nunca, os colaboradores de sala serão a cara do restaurante…

A sala vai ter um papel fundamental na retoma, são eles que vão dar a “máscara” para nos receber, a formação, a hospitalidade, o fazer sentir. Como transformamos um produto em experiência? Vai ser um desafio que a sala terá a seu cargo.

Haverá uma nova forma de comunicação? Com máscaras esta pode tornar-se difícil.

Verdade. Mas gosto de pensar no famoso ator Charlie Chaplin, que no seu tempo encantou e animou como ninguém o público da época sem nunca falar. Acho que a humanidade é capaz de nos surpreender sempre que somos testados. A linguagem corporal e a parte sensorial de um restaurante ganhará importância. Por exemplo, quando chegas a uma pizzaria e sentes um cheiro de uma pizza acabada de sair do forno, isso transporta-te imediatamente para uma nova dimensão emocional onde a música, a luz, a decoração e o conforto comunicam entre si. Agora a sala terá o papel de entretenimento que levará o cliente a entrar num novo espetáculo!

Num artigo que escreveste no Linkedin, sobre o futuro dos restaurantes, dizes que “comer melhor e menos será a norma, então o redimensionar os menus será a nova moda”. O que queres dizer com isto?

Pelo facto de estarmos confinados há mais de dois meses e meio, com uma alimentação possível dentro do que cada um conseguiu, e a falta de um mercado gastronómico estrangeiro, será difícil a alta gastronomia sobreviver só com o mercado nacional da forma como anteriormente estava a fazer. O segmento dos restaurantes gastronómicos representam 2% da nossa oferta gastronómica. A adaptação será um momento marcante para o futuro destes espaços. O local, o terroir, os produtos de estação, a pegada ambiental, o saudável, os espaços exteriores e a limitação/receio dos clientes irão conduzir a um ajuste significativo. Os almoços de negócios, as celebrações de momentos especiais em família e amigos, fará com que talvez a ida do chefe a casa possa ser uma saída até regressarmos a uma nova normalidade.

Manténs-te otimista ou pessimista acerca do futuro? Muitos restaurantes abriram nos últimos tempos, haverá espaço para todos?

Eu sou um sonhador, um otimista por natureza, acredito na humanidade e no talento de todos. Os restaurantes que valorizem e tenham uma filosofia de propósito para com o receber e cuidar de pessoas sairá reforçado desta crise, já outros terão de aprender com ela.

Grande parte das pessoas não percebem que há sempre uma pessoa lá atrás, na cozinha, cujo o único trabalho é lavar, enxugar os tachos, as frigideiras, a loiça, os talheres, os copos e garantir que eles estejam sempre bem polidos, limpos e prontos a brilharem quando regressarem para o palco do cliente. E se perguntares a alguém na hospitalidade sobre quem é a pessoa mais útil num restaurante, e quem tem o trabalho mais difícil, há uma excelente chance de que, antes de terminar a frase, eles digam que é a máquina de lavar louça! Sim, o copeiro é a pessoa mais importante. A indústria percebeu o quanto as pessoas da restauração/hotelaria são importantes para a sua felicidade. E agora todos temos a oportunidade de conhecermos os nossos vizinhos.

O que podemos aprender com esta crise?

A ponderar, a ter paciência e a nos adaptarmos com maior rapidez a futuras crises. Também a gerir melhor e a fazer planos de poupança/segurança que nos levem a prever e a tomar melhores decisões.