Vasco Coelho Santos é um dos nomes a Norte do país. Chefe, empresário e empreendedor, viajou meio mundo após a sua formação profissional, onde se inspirou para abrir os seus dois bem-sucedidos restaurantes no Porto, Euskalduna Studio e Semea by Euskalduna. Ao ETASTE fala do trabalho solidário que tem feito para o Banco Alimentar e para o Hospital de São João em tempos de confinamento, dos tempos que se aproximam para a restauração portuense e das estratégias para o futuro.
Nestes últimos dias, tens estado a trabalhar com o Hospital de São João, a fornecer refeições para os seus profissionais de saúde… Como é que esta ideia começou a desenvolver-se?
Alguns amigos meus que são médicos nos cuidados intensivos do Hospital de São João contactaram-me e surgiu a ideia de apoiar quem está na linha da frente, fornecendo refeições. No entanto, conseguir organizar toda a logística que garantisse este apoio foi muito difícil, moroso e tardou a conseguirmos avançar com as condições necessárias asseguradas. Só começámos este mês. São cerca de 11 chefes e empresários do Porto que se juntaram, como são exemplo Marco Gomes (Oficina), Tânia Durão (Atrevo), Pedro Braga (Mito), Renata Coelho (Adega S. Nicolau, Taberna dos Mercadores e Terreiro), António Lamas (Intrigo), Nuno Castro (Esquina do Avesso, Terminal 4450, Sushiaria e Fava Tonka), Joana Babo (Boa Bao), Marta Almendra (Taqueria Ilegal, Boteco Mexicano e Cruel) e Cristóvão Sousa (Ode Wine House e Taberna Está-se Bem). A ideia é que cada um cozinhe num dia diferente nos seus restaurantes e o objetivo é garantir 100 refeições diárias.
O que significa para ti poder fazer parte deste movimento?
A verdade é que é bom sentir que conseguimos ajudar de alguma forma quem está a ajudar toda a população. O apoio de todos os envolvidos, da Missão Continente e da QualHouse está a ser fundamental para que isso aconteça.
Também fizeste parte de algumas iniciativas com o Banco Alimentar, certo?
Sim, a Makro contactou-me porque tinha peixe e outros produtos que não queria desperdiçar e procurava alguém para os cozinhar para o Banco Alimentar. Com a ajuda do Marco Gomes (Oficina), que disponibilizou a sua cozinha, e da Tânia Durão (Atrevo), conseguimos cozinhar alguns dias para o Banco Alimentar.
Como é que novo coronavírus afetou os teus dois restaurantes no Porto?
Na semana antes do estado de emergência ser declarado, começámos a sentir os primeiros sinais nos dois restaurantes. No Euskalduna Studio começaram a “chover” cancelamentos e, na semana antes de fecharmos, recebemos seis clientes em dias que devíamos ter recebido os 20 que fazem a totalidade do restaurante. No Semea by Euskalduna, que vive não só do público português mas também do turista por causa da sua localização, sentimos muito essa quebra e, nos dias antes de fecharmos, foi especialmente notória. O mês de fevereiro, por exemplo, tinha sido um mês muito bom em ambos os restaurantes e sentimos muito a “chegada” da pandemia ao país. Especialmente no Semea by Euskalduna que é mais volátil e um negócio mais “frágil”
Na tua opinião, de que forma os restaurantes se poderão reinventar perante esta crise sanitária? Quais os teus planos e estratégias?
Eu penso que muitos restaurantes começaram desde cedo com o take away e o delivery e acho que está a ajudar nesta fase. É algo que pode continuar no futuro porque, como todos ouvimos, a normalidade não voltará até termos uma vacina e isso pode tardar um ano. No Euskalduna e no Semea ainda estamos a aguardar as medidas que o governo vai anunciar para definirmos uma estratégia concreta. No entanto, já é certo que o Euskalduna Studio vai abrir novamente ao fim de semana e estamos a considerar opções de horários e alterações ao menu. Relativamente ao Semea, poderá passar pelo take away e delivery. Acredito que cada restaurante é um caso e não há formulas mágicas que se possam generalizar.
Não tens uma estrutura enorme atrás de ti a suportar os teus negócios. Como prevês que esta crise afete os “pequenos restaurantes”?
Essa tem sido a luta e uma das preocupações desde que esta pandemia começou. Mesmo com o lay off e os créditos que o governo disponibilizou, acho que isto vai ser uma bola de neve e os proprietários se vão endividar ainda mais. Acho que vai ser necessário encontrar novas formas de negócio ou reinventar as já existentes, gerir muito bem custos, pessoal e toda a logística. Infelizmente, acredito que por todo o país existam negócios que não vão sobreviver porque vamos todos viver com as consequências durante longos meses.
A teu ver, como será o futuro dos restaurantes de fine dining em Portugal, que dependem em boa parte do público estrangeiro?
Acho que será fundamental olhar mais para o público português e local. Quero muito acreditar que todos os incríveis projetos que temos em Portugal vão conseguir sobreviver e reerguer-se, mas também sei que é uma tarefa muito difícil. No Euskalduna Studio temos ainda uma boa percentagem de clientes portugueses, mas pensando de uma forma mais ampla, sei que não há clientes no Porto para todos os restaurantes fine dining da cidade. É difícil fazer previsões e também vai depender de cada caso em específico mas acho que vai ser muito importante trabalhar para atrair os portugueses e os portuenses e fazer com que percebam também a importância de apoiar e valorizar o que é local e nacional. É algo que faço desde o primeiro dia, nos dois restaurantes. Acho que esta pandemia vai fazer toda a gente pensar mais assim, de apoiar e valorizar o que é nosso. O caminho para nos conseguimos reerguer passa também muito por aí.
Qual a tua visão relativamente ao impacto desta crise no panorama gastronómico da cidade do Porto?
O Porto estava a viver uma fase muito boa em termos de turismo. E esse turismo não vai voltar este ano. Acredito mesmo que no próximo ano também não regresse aos níveis em que estávamos. Vai demorar muito tempo. E há muitos restaurantes na cidade cuja maioria dos seus clientes são turistas. Nesses casos, é imperativo que encontrem formas de chegar ao público do país, e também local, pois o turismo vai ser inexistente.
O Euskalduna sempre foi um restaurante bastante procurado. Acreditas que vai retomar esse seu funcionamento normal?
Adorava que assim o fosse, mas é uma incógnita e acho que vai demorar muito tempo até voltar a ser. Nós vamos encarar isto como um recomeço do zero. Mesmo com o fim do estado de emergência e o levantamento das medidas de confinamento, nos primeiros tempos, as pessoas vão ter medo de sair de casa e também de ir aos restaurantes. Para além disso, face à crise económica que está aliada a esta pandemia, o Euskalduna Studio tem um ticket médio que sabemos que não é possível a muita gente. Vamos fazer de tudo e lutar para nos reerguermos, para transmitirmos a maior confiança possível aos nossos clientes.
Quais as lições que poderão ser tiradas desta crise?
Acho que a primeira coisa que todos percebemos é o quão volátil é a economia, a sociedade e, mais em específico, a área da restauração. Acredito que esta crise está a fazer com que olhemos mais para nós próprios (país e região) e a que sejamos mais disruptivos. É incrível ver as ideias que muitos empresários e chefes estão a ter e as formas que estão a encontrar para “renascer”. Depois disto, acho que vamos todos dar muito mais valor ao “agora”.