Corria o ano de 1981 quando o Tágide conquistava para Lisboa uma estrela Michelin, onde permaneceu nos guias, agora empoeirados, por onze anos. Hoje, Gonçalo Costa assina a carta onde, para além da alta gastronomia no primeiro andar, oferece o conforto da cozinha tradicional portuguesa no Wine & Tapas Bar no rés-do-chão. E, recentemente, no foodtruck Elétrico Tágide, estacionado no Largo da Academia das Belas Artes, apresenta petiscos simples e comida de rua.
Construído sobre as ruínas do Convento de São Francisco, após o terramoto de 1755, o espaço foi totalmente remodelado, em 2007 e, cá dentro viaja-se no tempo. Ao chegar ao último degrau das escadas interiores ladeadas por um corrimão dourado, entramos num espaço totalmente iluminado por luz natural, mas no teto impõe-se um candeeiro do século XVII. As mesas distribuem-se perto da vidraça que acompanha as duas salas e Lisboa descansa na varanda como quem está alheia à agitação turística. A vista é para o castelo de São Jorge no alto da colina.
O lugar icónico apaixonou Gonçalo Costa, de 37 anos, que, acabado de chegar do Brasil, encontrou a capital “completamente diferente” como a tinha deixado, há cinco anos. Na família, ninguém pintava o cenário ligado à restauração até Gonçalo, o mais velho de três irmãos, se estrear. “A seguir a mim vieram muitos”, ri o chefe orgulhoso do sucesso internacional do “mais novo”, David Costa, premiado com uma estrela Michelin, no restaurante Adega, na Califórnia.
De Santarém para o mundo
Gonçalo estreou-se há 17 anos no Penha Longa Resort, seguiu-se um projeto de turismo rural com horta própria e produtores locais. A vida mudou e levou-o até à vizinha França onde pousou durante um ano, em Nantes. De volta às origens, é recebido no alto do Parque Eduardo VII, no Eleven, do Joachim Koerper. Começou como cozinheiro de segunda e chegou a chefe, a posição que assumiu durante quatro anos consecutivos. “Foi onde a minha carreira se consagrou”, reflete. Nesta altura, testava a sua sorte no concurso Chefe Cozinheiro do Ano, tendo conquistado o segundo lugar no ano 2008.
Com as viagens recorrentes ao Brasil foi desafiado para abrir uns projetos e não hesitou em fazer as malas. “O mundo de sabores” conquistou o chefe por cinco anos, onde chefiou o Hotel Unique, considerado o melhor hotel da América do Sul. Ao lado da sua esposa, também cozinheira, levou a sério o desejo de abrir um espaço próprio e, com o conceito de street food em alta, aventurou-se com um foodtruck pelas ruas de São Paulo. “Havia sempre um prato português”, recorda e afirma que o maior desafio passou por fazer doses pequenas e fáceis de “comer com um garfinho”. Com o nascimento do seu filho e, por questões de segurança do país, o casal decidiu voltar no final do ano que passou. Já em terras portuguesas o desejo continuava, abrir o próprio restaurante, em Santarém, terra natal, com o irmão e o seu cunhado mas, soube, desde o primeiro encontro com o Tágide que era aqui que queria ficar: “Senti-me em casa desde que entrei”.
Três é a conta que Deus fez
Foi a convite de Susana de Brito que o chefe aceitou o desafio de liderar o Tágide. Define a sua cozinha como uma “esponja” dos locais por onde passou e do que viu, assente em técnicas francesas, inspirada nas fortes matérias-primas de Portugal e com notas tropicais do Brasil. Gonçalo sente-se totalmente satisfeito com a diversidade de pratos que pode fazer. Da comida confortável, no Wine & Tapas Bar onde tenta “fazer tão bem como as mães”, ao fine dining no Tágide que se divide num menu de degustação de seis pratos e à carta (que foi totalmente modificada). E, no recentemente inaugurado, Elétrico Tágide, desenhado por uma aluna da Faculdade de Belas Artes, onde aplicou o “know-how” que trouxe do seu foodtruck paulista, para elaborar alguns petiscos simples. ‘Torricado de sardinha’, ‘Rosbife no pão, com mostarda cornichon, alface romana e tomate’ ou ‘Pão saloio com salmão e abacate’ são algumas sugestões.
Assim como as ninfas do Tejo inspiraram Camões, Gonçalo sente-se inspirado pela sua obra: “Não li Os Lusíadas na escola e vim ler para aqui”, confessa. Quer navegar na rota das especiarias e nos caminhos marítimos de Camões nos seus pratos. Também a equipa é totalmente nova e, como “diferentes culturas trazem mais conhecimento”, tem cozinheiros vindos de Itália, Suécia e São Tomé. O espaço convida o cliente, por vezes, a dar mais atenção à vista do que ao prato mas, o chefe aceita o desafio, já que “é um restaurante e não um miradouro”, e aposta no sabor e, seja “aqui ou em qualquer outro lugar do mundo”, nos produtos portugueses.
Os olhos postos no horizonte
O caminho marítimo trouxe-o do Brasil à terra dos navegadores com o desejo de abrir o seu próprio espaço. Mas a vida trocou-lhe as voltas e, neste momento não sabe o que o futuro lhe reserva. De pés assentes na terra, quando espreita lá para fora, sorri: “Quero fazer uma caminhada nova no Tágide”. Talvez seja como Camões e navegue ”por mares nunca de antes navegados”.
Contactos:
Restaurante Tágide
Largo da Academia Nacional de Belas Artes 18-20
1200-005 Lisboa
Horário: Do 12h30 às 15h e das 20h À 00h. Encerra ao domingo
Telf.: 213 404 010
Wine & Tapas Bar
Horário: Segunda a Sexta do 12h às 15h e das 19h à 00h. Sábado da 13h à 00h. Encerra ao domingo
Elétrico Tágide:
Horário: De segunda a sábado do 12h às 21h. Encerra ao domingo.