O ETASTE almoçou no Belcanto na 4ª edição do Grand Gelinaz! Shuffle — um evento criado por Andrea Petrini que promove a troca de chefes em diferentes países. Devido ao momento atual que vivemos, a organização optou por selecionar um curador gastronómico por país para orientar um serviço com chefes locais convidados, que no caso de Portugal foi José Avillez.

Menu Gelinaz Belcanto 2020:

Remix 1
Vieira curada, dashi de cenoura e gengibre, nabo e pickles de pera
Cenoura, vieira, truta e limão

Remix 2
Beterraba, vinagrete de cidra, groselhas, caldo de presunto alentejano e coentros
Takoyaki de bifana e boletos

Remix 3
Ostra, molhinho de borrego e maçã verde
Pastel de pombo com caril de carabineiro

Remix 4
Enguia, batata, trompetas, azedas da praia e líquenes

Remix 5
Dourada de anzol, arroz do Sado, yuzu e coentros

Remix 6
Sopa de peixe

Remix 7
Corneto de leite de cabra com caramelo

Remix 8
Nuvem de yuzu

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Quando a reserva é feita, pouco ou nada se sabe sobre o menu. E o mistério prossegue ao longo de toda a refeição, sendo finalmente revelado a origem dos pratos previamente adivinhados por alguns comensais em cada uma das mesas no final do almoço, à saída. É sempre esta a lógica do Grand Gelinaz Shuffle, um evento internacional que junta mais de uma centena de chefes de todo o mundo e que, numa primeira fase, convidava chefes a trocarem de restaurante por uma noite ao deslocarem-se fisicamente para outro espaço. Apenas durante a refeição, os clientes descobriam a identidade do chefe convidado. Na primeira edição do evento, em 2016, por exemplo,  José Avillez viajou até a Alemanha, onde tomou conta do restaurante Aqua, enquanto no seu Belcanto ficou Vladimir Mukhin, do White Rabbit, Rússia. Já Alexandre Silva foi até aos EUA, para a cozinha do Willows Inn e entregou o seu restaurante a Bo Songvisava, do restaurante Bo.lan, em Banguecoque.

Em 2019, na sua terceira edição, a mecânica do evento foi alterada e os chefes não necessitavam de sair da sua cozinha para confecionar um menu de um chefe convidado, recebendo previamente um conjunto de receitas para interpretar à sua maneira —  criando verdadeiros “remixes”. Avillez e Silva voltaram a ser convidados juntando-se aos estreantes Henrique Sá Pessoa e António Galapito.

Este ano não foram um mas nove os chefes convidados para interpretarem receitas de um chefe cuja voz foi silenciada durante a pandemia (“Silent Voices” é o tema da edição 2020 do Gelinaz). Estes foram escolhidos por um curador gastronómico por país que no caso de Portugal foi o já repetente José Avillez. “Essas vozes pertencem a chefes que tiveram de fechar os seus espaços pelo impacto da quebra de faturação e as dos que se encontram impedidos de continuar o seu trabalho pelas medidas de combate à pandemia”, explica a organização que este ano contam com a participação de 130 cozinheiros e decorre em duas fases: a primeira em dezembro e a segunda no começo de 2021.

Avillez convidou David Jesus, o seu braço-direito no Belcanto — onde decorreu o almoço, dividido por três turnos — e também António Galapito do Prado (Lisboa), António Loureiro d’A Cozinha (Guimarães), António Nobre do Degust’AR (Évora), Diogo Rocha da Mesa de Lemos (Viseu), Noélia Jerónimo do Noélia e Jerónimo (Cabanas de Tavira), Pedro Pena Bastos do Cura (Lisboa), Rodrigo Castelo da Taberna Ó Balcão (Santarém) e ainda Vasco Coelho Santos do Euskalduna Studio (Porto). “A ideia inicial era convidar dois, três chefes mas eu optei por alargar o convite a vários que de uma maneira ou outra se cruzaram comigo na minha vida profissional e que representam um país inteiro”, começa por explicar o homem do Belcanto. Cada um deles interpretou uma receita do chefe desconhecido e foi curioso ver, por vezes, duas interpretações tão diferentes de um mesmo ingrediente — tal como aconteceu logo no primeiro prato ou “remix” servido com ingredientes como a vieira e a cenoura a serem interpretadas por António Loureiro e Diogo Rocha. “É aí que vem a identidade de cada um deles que se cruza com a influência da chefe mistério que no, caso foi a Céline Pham”, revela Avillez. Pham é uma chefe franco-vietnamita que nos últimos anos trabalhou em restaurantes de Paris como Saturne, Chez Aline e Septime. A vertente asiática da cozinha da chefe foi um desafio para muitos, incluindo para Loureiro que em Guimarães faz uma ode aos produtos locais através do restaurante A Cozinha. “Foi um desafio porque a linha asiática não é algo que siga. O prato de vieira curada, com dashi de cenoura e gengibre, nabo e pickles de pera foi evoluindo para que tivesse mais que ver com o que era pedido. Foi curioso porque muitos clientes esperavam que fosse o autor de outros pratos mais parecidos com a minha linha”, conta. Por outro lado, também foi interesse para o chefe vimarense que o mesmo ingrediente tivesse duas interpretações tão diferentes. “O Diogo [Rocha tinha os mesmos ingredientes que eu e apresentou a vieira e a cenoura com truta e limão.”

Já a terminar o serviço, Pedro Pena Bastos, Rodrigo Castelo e António Galapito finalizam os últimos pratos. António Nobre, António Loureiro e Diogo Rocha conversam junto à cozinha. Vasco Coelho Santos e Noélia Jerónimo visitam as mesas dos últimos clientes. José Avillez avista de longe tudo o que se passa e, em jeito de balanço, mostra-se satisfeito com o que ali foi feito e confessa-nos. “Podemos estar juntos a criticar ou estar juntos a construir. Aqui estamos juntos a construir e a mostrar que é possível reinventarmos-nos. Nesta fase que vivemos a única coisa que podemos fazer é continuar a fazer o que sabemos fazer: cozinha e receber.”