O mítico chefe Ferran Adrià esteve em Portugal na passada segunda-feira. Afastado dos palcos há já algum tempo, o catalão veio a Lisboa para falar sobre o legado que o El Bulli deixou. E não só.
O catalão mais famoso do mundo da gastronomia foi a estrela da terceira edição do Estrella Damm Gastronomy Congress, em Lisboa. Considerado, por muitos, como melhor chefe da história, Ferran Adrià liderou a equipa do icónico restaurante El Bulli até ao seu fecho – em julho de 2011. A sua carreira foi construída passo a passo. Começou como copeiro até chegar a chefe de cozinha e co-proprietário do restaurante. Um percurso singular admirado por todos. Mas Adrià foi o primeiro a dizer que nem tudo foram rosas. “O El Bulli fez coisas boas e más. Uma das coisas más que fizemos, sobretudo em 94/95, foi servir três ou quatro menus por ano. É uma loucura absoluta.”, disse à plateia.
“Gastronomia é Economia”
Neste momento vivemos uma época propícia para a restauração, com um boom de aberturas de restaurantes. Ferran Adrià abordou o assunto com um aviso a quem o escutava. “Gastronomia é Economia. É importante percebermos isso. Há quatro meses, Espanha fez um estudo sobre o peso da gastronomia e perceberam que representava 33% do PIB.” Segundo o chefe, os cozinheiros deveriam ter um pouco de formação em economia para estarem mais esclarecidos acerca de conceitos de “estratégia ou visão” para um negócio sustentável.
Em 2002, o chefe catalão veio pela primeira vez a Lisboa, em viagem de lua-de-mel. “Só havia comida tradicional ou arte culinária francesa”, recordou, acerca do cenário gastronómico que se encontrava na capital daquela altura. Passados dezassete anos encontrou um panorama completamente diferente. Visivelmente encantado com o nosso país, Adrià referiu que “o que aconteceu em Portugal nos últimos dez anos foi fantástico.” E deixou uma premonição: “Daqui a cinco anos vão chegar a um nível muito alto!”
Ora, se temos restaurantes de grande nível, “produtos incríveis” e um clima espetacular, o que é que nos falta para atingir esse nível? A resposta do chefe é simples: investigação. “É preciso criar um arquivo cultural, fazer um inventário cultural para perceber o que é Portugal de verdade. Faltam muitas análises e mais investigação”, explicou.
“O restaurante mais bonito do mundo.”
Antes de chegar a Lisboa, Adrià passou alguns dias no Porto, em que teve de oportunidade de visitar alguns restaurantes. E não poupou nos elogios. Sobre a Casa de Chá da Boa Nova, de Rui Paula, afirmou sem rodeios: “É o restaurante mais bonito do mundo. Todas as pessoas que amam a gastronomia têm de ir lá. É incrível, de fazer chorar. Carta de vinhos extraordinária, serviço de três estrelas e comida fantástica. O Rui Paula é fantástico. Este sítio tem uma estrela mas facilmente teria duas.”
A refeição que fez no Euskalduna, de Vasco Coelho Santos, mereceu-lhe igualmente rasgados elogios. Considerou-a “digna de 2 estrelas Michelin”, deixando, pelo caminho, um conselho ao chefe portuense, que foi seu discípulo no El Bulli: “Estás a fazer tudo demasiado bem. Se estás neste nível ao fim de dois anos, o que farás daqui a cinco?”
Adrià sentou-se ainda ao balcão da Marisqueira de Matosinhos e afirmou, a esse respeito, que “em Barcelona não há cinco sítios como este”. Propôs aos presentes no evento o investimento num local de marisco com especiarias. “Foram vocês que descobriram o caminho marítimo para a índia e que trouxeram as especiarias para a Europa”, justificou o catalão.
“Que os jovens cozinheiros sejam melhores que eu”
O El Bulli fechou as portas há oito anos, mas o seu legado continua vivo. A El Bulli Foundation prossegue o trabalho do restaurante, seguindo os mesmos princípios: criatividade e inovação, risco e liberdade, paixão e esforço, ética e generosidade. Nos próximos tempos deverá nascer um arquivo-museu com o selo LaBulligrafia e, nas antigas instalações do restaurante, atualmente em renovação, um laboratório criativo intitulado elBulli1846. Todo este trabalho tem, segundo Adrià uma intenção marcada: “Quero que as novas gerações sejam as melhores. Quero que os jovens cozinheiros sejam melhores que eu.” Palavra de mestre.