A interrogação surge-me a torto e a direito sempre que vislumbro ou vejo cozinheiro e também cozinheira envergando trajes pretos. O cozinheiro irrompe vindo da cozinha com um arremedo de toque na cabeça qual pirata das Caraíbas na época dos felibusteiros, corroborada por o jaleco também ser negro, não faltando adereços de pedantismo só faltando as tíbias e a caveira para compor o ramalhete.
Esta atracção pela cor preta não entronca em motivações estéticas ou psicanalíticas, entendo-a na perspectiva de ocultação de nódoas de modo a poupança de gastos em sabão e água na lavagem das vestimentas enodoadas. O sábio cozinheiro Scappi (século XVI) escreveu sobre o traje do pessoal a trabalhar nas cozinhas, os seus deveres no tocante a higiene pessoal, os mesmo fizeram outros eminentes preparadores de comida desde a Antiguidade Clássica. Se o leitor puder tempo e tiver ao seu alcance um dicionário de cozinha ficará a saber as causas de a cor branca (limpeza e pureza) lograr a plena aceitação de reputados cozinheiros de todo o Mundo (Carême, Escofier, dois nomes eternos nesta matéria) preferirem o branco até à invasão do negro cor das fardas dos famigerados kamikazes. O leitor desconfie de dicionários ilustrados no título, completamente omissos na inserção de imagens a exemplificarem técnicas de execução, para lá de produtos e personalidades representativas das artes culinárias e afins.
Eu não sei se por efeitos de mimetismo o uso das vestes dos piratas aliado o lucro de tempo e dinheiro no encobrimento dos pingos, côdeas e outras anomalias capazes de obrigarem os clientes a evidenciarem repulsa pelo visto irá persistir muito mais tempo, no entanto, haja o que houver, aconteça o que acontecer, a minha aversão à fantasia pictórica na indumentária dos cozinheiros fica lavrada, mais uma vez, não porque esteja influenciado pela mensagem do detergente OMO, sim porque unhas de luto, passagem das mãos pelo cabelo, cabelos casposos a depositarem excrescências no ombros, retiradas ostensivas de macacos nos narizes sem a subsequente lacagem das mãos, pura e simplesmente, não devem existir, o mesmo se aplica aos panos de cozinha, panos sim, rodilhos não.
Pode-se objectar contra este texto brandindo os normativos regulamentares sobre esta matéria, a educação higiénica dos profissionais da cozinha na restauração e hotelaria, a multiplicidade de produtos destinados a reforçarem e a tornarem reluzentes as cozinhas e espaços correlativos, tudo isso é verdade, porém, não indo mais longe do século XX, lembro o iconoclasta livro Cozinha Confidencial do malogrado cozinheiro e embaixador culinário Anthony Bourdain. Grande apreciador dos comeres portugueses Bourdain foi vítima do seu próprio êxito e prazer imitando Manuel Vasquez Montálban, e Santi Santamaria.
Espero o regresso de cozinheiros envergando roupa alva e de boa qualidade. Toque a condizer.