A notícia chegou tardia e sucinta: morreu Manuel Fialho, do restaurante Fialho.
Tenho-o diante de mim, maciço, bem penteado, sorridente, a trocar piadas com o nosso anfitrião José Labaredas seu amigo de longa data, íamos principiar no trabalho de seleccionar os melhores restaurantes de Coruche, pois a par com José Quitério e Dionísio Mendes fazíamos parte do júri no decurso das primeiras jornadas gastronómicas do concelho de Coruche, já lá vão mais de três dezenas de anos.
Os trabalhos realizados aos fins-de-semana permitiram-me estabelecer sólidas e perenes relações amistosas com o grande obreiro do reconhecimento cultural da cozinha alentejana e o valimento da gastronomia nacional.
Nestas ocasiões os obituários farfalham elogios, quem os escreve raramente resiste à tentação de aproveitar o triste desenlace para luzir falsas lantejoulas de garrido conhecimento do morto sublinhando o dito por todos, acrescentando uma pitada auto-elogiosa de aproveitamento do seu passamento.
Tenho diante de mim Manuel Fialho perguntador, curioso, arguto e ávido de referências históricas referentes à alimentação dos povos em geral e dos portugueses e os fronteiriços do Alentejo, as informações arrebanhadas seriam objecto de aproveitamento futuramente. Era exímio nesse papel.
Tenho Manuel Fialho à minha frente cioso do seu saber não se deixando ultrapassar, estratega no uso da diplomacia amaciadora das palavras que empregava a defender a sua dama (a cozinha alentejana) colocando os pontos nos is referentes a autoria de trabalhos e estudos na área em causa.
Tenho-o à minha frente, na mesma mesa, no decorrer de almoços no Festival Nacional de Gastronomia em Santarém, ou nas refeições tomadas por ocasião da escolha do restaurante alentejano que iria representar a Região de Turismo de Évora presidida pelo afável Andrade Santos vindo de Bruxelas onde trabalhou na então Comunidade Europeia. Nessas jornadas apresentou-me o seu grande amigo, o gourmet e investigador das artes culinárias que foi Alfredo Saramago. No pós prandial de cada refeição Alfredo espicaçava-o, nessas alturas, Manuel Fialho reafirmava o sentido restrito da amizade no seio da multidão de conhecidos, o saber quão difícil era dizer o rei vai nu a quem dava a conhecer receitassem as recolher de viva voz dos informantes.
Tenho à minha frente Manuel Fialho Noé restaurante da família, onde o seu irmão Gabriel preparou uns pezinhos de coentrada capazes de obrigarem o esquisito e requintado Petrónio esteta na corte de Nero a chupar os dedos de prazer. O Manuel recebeu-nos finamente, foi afectuoso, pedagógico, sempre atento a todos os pormenores para que tudo decorre-se em boa ordem. E decorreu. O José Quitério pode testemunhar.
Tenho à minha frente Manuel Fialho a defender e a enaltecer Alfredo Saramago sem peias ou remordimentos de língua, a esbravejar delicadamente no convulso processo de arejamento dos órgãos sociais da Federação Portuguesa das Confrarias Gastronómicas, que o levaria mais tarde a apoiar a saída da «sua» confraria da Federação. Os seus queixumes criaram angústias e problemas de consciência a muitos membros de outras Instituições congéneres.
Morreu Manuel Fialho, gourmet, publicista, figura de relevo no mundilho da restauração e da gastronomia, cidadão respeitado no seu Alentejo. Morreu um Homem que logrou a minha estima e consideração.
Que a sua memória seja honrada e perpetuada são os meus desejos.