A bela, virginal, de rosto de porcelana fina, alvíssima, de olhar sonâmbulo, vagueava à noite no jardim cercado por muros altos e recheado de tumbas e túmulos quando o Conde de Drácula pousou na relva ao modo das aves de rapina e… após a mirar e remirar amorosamente como só os vampiros sabem beijou-a no níveo pescoço sugando a energia vital, dois pequenos sinais de dentes pontudos terem rompido a pele acetinada e em forma derola uma gota de sangue ficou no corpo desfalecido da jovem. O Conde de Drácula abriu a capa levantou voo tão alegre e feliz como um gourmet após deliciar-se cravando os dentes num suculento bife em sangue de carne de um boi de Kobe.

Ao invés da imaginação do escritor Bram Stoker, os camponeses no momento de pagamento de foros e outras rendas aos senhores das terras verificavam, viam, contemplavam as mãos e meio braço de cada um deles exibia veias de cor azul-cobalto, daí a expressão – de sangue azul aos ditos proprietários.

Ao longo dos séculos, raparigas formosas de baixa condição, entenda-se origem humilde, de olhos bonitos, tez acetinada e dentes nacarados atraíam a atenção dos poderosos, dos nababos, dos de sangue azul, no entanto, sabendo do sofrimento das mães e das avós eivado de sangue e lágrimas, conseguiam repelir os avanços dos conquistadores de modo a conquistá-los no altar, concedendo-lhe a possibilidade de fortalecerem os laços de sangue a incutirem energia vivaz nas suas famílias, obtendo elas o cruzamento de sangues como as genealogias o provam exuberantemente.

E, os sedutores? Os sedutores provocam lágrimas de sangue quando abandonam as seduzidas tantas vezes acolhendo nos braços os frutos da sedução, paridos no meio de corrimentos de sangue e fezes, ao fim de nove meses desprovidas do fluxo sanguíneo. Os sedutores, mesmo desconhecedores do dito pelo filósofo Soren Kierkegaard, intuem desde há milénios que assim é. Escreveu o filósofo: “A cada mulher corresponde um sedutor. A felicidade dela consiste em encontrá-lo.”

Segundo Lucas, Jesus no decurso da prolongada e angustiante oração no Monte das Oliveiras, a anteceder à sua prisão suou sangue. A ciência provou a possibilidade de, em casos excepcionais de enorme tensão física e emocional, o ser humanos suar sangue (hematidrose), daí o profundo significado simbólico do sangue no seio das religiões derivadas do Cristianismo. Uma venerada relíquia é o denominado Sudário de Turim, ou seja a mortalha qua acolheu o corpo de Cristo após a sua crucificação. E a alegoria de beber o sangue de Cristo na última ceia, transmutado em vinho é outro elemento simbólico a que os cristãos concedem e têm em máximo respeito.

As leis dietéticas do Talmude impõem rigorosas observâncias no que tange à preparação dos alimentos e, por isso mesmo, à maneira de cumprirem os rituais onde o sangue é referido. Animais sem sangrarem levam ao interdito da sua carne. Beber sangue será desrespeitar o sentido da vida representada em Deus. O consumo de sangue é proibido.

E a terra empapada em sangue? O Homem é um animal que empapa as terras, tinge os rios, pontua os corpos de sangue. É verdade, nua e horrenda verdade!

Os livros sagrados e as crónicas de várias latitudes e dos cinco continentes falam-nos de guerras cruentas, fratricidas cujo exemplo é Caim e Abel, num crescendo de violência de século para século, de época para época, gerando centenas de milhões de vítimas, daí sangue ter jorrado a rodos de modo a causar-nos horror, mas não arrependimento ou contrição a levarem-nos ao banimento dos conflitos.

A História regista grandes matanças (batalhas) nas quais pereceram exércitos de forma directa e populações indirectamente. Políticos e generais amantes de chacinarem Comunidades colectivamente e Homens influentes individualmente enxameiam atlas e compêndios de História. Se Robespierre levou a guilhotina a espirrar sangue, ele próprio foi obrigado a colocar o pescoço ao alcance da afiada lâmina, o brutal ditador Estaline assumia alegremente a tarefa de mandar exterminar adversários e inofensivas pessoas, salientando que matar um indivíduo era um homem, matar vinte milhões não passava de uma estatística. O sinistro Estaline morreu na cama, as suas vítimas espirraram sangue ante os pelotões de fuzilamento ou em macabra lentidão na Sibéria. E, que dizer relativamente a Hitler? Muito mal, muito mau foi este facínora.

Duas monstruosas criaturas ávidas de sangue, o Conde Drácula ao pé deles não passaria de figura de ficção o que realmente foi, assim não aconteceu com Vlad o Empalador, Príncipe da Valquíria, cuja figura sangrenta teria inspirado Stoker, ele ordenou o empalamento de milhares de guerreiros que venceu no decurso de guerras cruéis e nas quais apenas os vencidos detentores de posses viam a vida poupada. Outro formidável comparsa em atrocidades chamou-se Gengis Kan.

A tortura, os crimes de sangue existiram e vão continuar a existir, não adianta escrever palavras piedosas a pedir o seu extirpamento, adianta, isso sim, pedir, exigir lere justiça contra os criminosos.

Não aludo às componentes do sangue, nem a ser imprescindível no municiamento de organismos carecidos, também só de supetão homenageio os dadores de sangue. Bem justificam a leve referência.

O sangue na literatura (poesia, conto, novela, romance) justiça enorme e sápido artigo, porque o espaço não estica qual morcela de sangue, lembro aos não fundamentalistas e cumpridores de interdições alimentares, lembro apenas a existência de saborosas e fortalecidas receitas culinárias da cozinha portuguesa em que o sangue dos animais, especialmente das aves, dos caprinos, dos ovinos, dos porcinos, da caça de pena e pêlo concedem sainete a aguçar o palato, porque água na boca basta mencionar uma enxundiosa cabidela.

Texto original publicado na INTER 259.

*o autor não escreve ao abrigo do acordo ortográfico