Cinco meses depois, Artur Gomes despede-se de uma intensa experiência em Copenhaga. Um entusiasmante último teste no laboratório de fermentação e um derradeiro jantar na casa de René Redzepi marcaram o adeus definitivo do cozinheiro português ao Noma.
Com o começo do menu de floresta e caça, a época de preservação do Noma abranda à mesma velocidade a que o frio, a chuva e o vento se tornam numa constante em Copenhaga. Estamos ainda na primeira semana do Menu e já estamos a planear 2019, o menu de peixe e marisco está a dois meses e meio de distância e o restaurante completa o seu primeiro ano neste novo formato.
Desta forma, todos os alimentos preservados durante o verão e o início do outono são levados para um dos armazéns que se encontram espalhados pelos arredores de Copenhaga de forma a estarem devidamente acondicionados. Só assim é possível armazenar as mais de 12 toneladas de produto preservado: entre pickles, garuns ou kombuchas podemos encontrar de tudo um pouco no armazém que é conhecido como “pickle house”.
Sem o trabalho de preservar produtos, o Laboratório de I+D e Fermentação dirige-se agora para a sua altura de maior trabalho criativo, com desenvolvimento de produtos que serão utilizados durante o próximo ano. Desde o desenvolvimento de um “leite-creme” de colostro — o primeiro leite que um mamífero dá após dar à luz — até a noodles feitos de algas kelp. Tivemos total carta branca para trabalhar e desenvolver todo o tipo de produtos, tendo como objetivo primordial a sua presença no próximo menu.
Para que também a cozinha de testes tenha acesso a todos os fermentados no seu máximo esplendor fui numa tarde com Jason White, assistente de David Zilber, experimentar todos os fermentados que ali se encontravam. Decidimos quais estavam bons, demasiado fermentados ou que necessitavam de um refreshing (isto é, voltar à mesa de trabalho para serem desenvolvidos de novo). Foi nesta visita que prendi o meu olhar e, sobretudo, as minhas papilas gustativas a um vinagre de dashi no qual eu via imenso potencial.
Nessa noite, durante uma reunião onde trocámos ideias e decidimos os produtos que iríamos desenvolver, propus-me a revisitar o vinagre de dashi e a desenvolver três testes de forma a torná-lo mais saboroso e interessante. Entre o desenvolvimento de receita, acompanhamento de fermentação e as provas diárias foi necessário um envelhecimento de três semanas para que este atingisse o seu pico de sabor, com a sua complexidade arredondada. Apresentei dois dos três testes à minha equipa no laboratório e o veredicto foi que estava ali um produto interessante, que poderia ser utilizado no futuro.
Se com este feedback já estava feliz e sentia que tinha cumprido eficazmente a tarefa a que me havia proposto, quando Mette Soberg, Diretora da Cozinha de Testes, prova os vinagres e decide incluir um deles no próximo menu senti-me totalmente realizado. Foi, sem dúvida alguma, um dos momentos mais altos desta experiência de cinco meses.
Durante esta altura, desenvolvemos também algumas formas de utilizar os resíduos sólidos da produção de shoyu, a versão tradicional do molho de soja, que no Noma é feito com ervilhas. Refrescámo-lo com uma nova solução salina e adicionámos diversos elementos para garantir uma maior diversidade de aromas e o desenvolvimento de novos sabores, casos da alga kombu fumada, tomilho do ártico ou de diversos tipos de couve. Testámos ainda diversos tipos de molho de peixe utilizando como base variadíssimos tipos de ovas, casca de trigo tostada, ervas aromáticas e diferentes tipos de enzimas para potenciar o desdobramento das proteínas. Um trabalho sem fim, que incluiu muitos testes, leitura de artigos científicos, sessões criativas e desenvolvimento de novas técnicas com e sem recurso às tecnologias presentes no laboratório.
Na minha penúltima semana no Noma fui chamado pelo Sub-Chef Luke Kolpin que me diz “Fui convidado para ir cozinhar a Portugal, conheces este evento chamado Sangue na Guelra?”. Entre diversas conversas, em que lhe vendi ao máximo a imagem de Portugal e do evento, o Luke acaba por confirmar a presença. Uma semana depois fui eu próprio convidado para o mesmo. Surpreendido, decidi aceitar de imediato o convite, até porque seria uma ótima forma de me despedir convenientemente da pessoa que me deu a oportunidade de integrar a equipa do laboratório. Ao mesmo tempo, poderia também mostrar pela primeira vez aquela que é a minha visão sobre a cozinha no meu próprio país. Durante toda a semana fomos testando componentes e desenvolvendo os pratos que traríamos a Portugal mas foi no meu último domingo em Copenhaga que viria a ter o melhor feedback que poderia imaginar, quando, em conjunto com o Luke, tive a oportunidade de cozinhar na casa de René Redzepi para a sua família e a equipa da cozinha de testes.
Assim acaba a minha aventura pela terra dos Vikings, uma aventura de 5 meses onde a aprendizagem técnica e criativa foi avassaladora e me marcará para sempre. Sinto que esta experiência foi feita na altura certa, com a maturidade suficiente, para aprender e absorver o máximo possível com todos os membros do staff, estagiários e todos os foragers e fornecedores.
Deixo ainda aqui um agradecimento muito especial à Catarina Amado, ao Rui Pedro e ao Paulo Amado pelo convite para relatar a minha experiência através do Etaste, foi um gosto poder trabalhar convosco. Até breve!