Conheci primeiro a flor e depois o fruto. E apaixonei-me. Não por ser a flor da paixão, mas pela extrema beleza e aroma. O aroma que me levou a querer comer o fruto. Não descansei, por isso, até provar um maracujá. Lembro-me do embaraço, como comer um fruto que não se descasca? Como sorver aquelas sementes envoltas de um creme gelatinoso? Há uns anos, era fruta exótica, pelo menos para nós que vivemos pelo Continente. Já para os Madeirenses e Açorianos é fruta boa que conhecem há muito. 

Escrevo estas palavras com as mãos a cheirar a maracujá. Estão soltas e inspiradas, por isso, caminham sozinhas para além do pensamento e vão atrás das diferentes designações de uma das minhas frutas preferidas. Maracujá para nós desde o primeiro contato, “fruto de la pasión” e “granadilla” para os espanhóis. Os franceses e ingleses seguiram o tema e chamaram-lhe “fruit de la passion” e “passionfruit”, respetivamente. 

A viagem que este fruto fez pelo tempo e pela geografia conta-nos as razões de tão diferentes vocábulos. Em 1587, Gabriel Soares de Sousa, na sua viagem pelo Brasil, relata minuciosamente tudo o que vê. Entre o imenso mundo que descreve lá estão os maracujás. Fala das virtudes terapêuticas das folhas, da beleza muito formosa da flor, do bom cheiro dos frutos e do suave sabor. Desde o primeiro contato com esta fruta, é certo que absorvemos o vocábulo “maracujá” das tribos indígenas Tupi e Guarani que povoavam o Brasil. 

Se o tema da paixão escolhido pelos espanhóis para descrever a flor e o fruto nos parece levar para o reino sempre encantado do amor, a verdade é que eles falavam de uma “paixão mística” e os propósitos de tal estavam relacionados com a evangelização dos povos indígenas que tão sofregamente quiseram domesticar. “La Flor de las cinco Llagas”, era assim descrita e interpretada pelos jesuítas espanhóis que ofereceram exemplares ao Papa Paulo V (que presidiu ao julgamento de Galileu Galilei). Símbolo da paixão de Cristo, a flor do maracujá foi tida e interpretada por descrever cada momento do martírio no momento da Crucificação. Motivos à parte, o tema da paixão nunca mais abandonou a flor e o fruto. Carl Nilsson Linnaeus recorre ao vocábulo Passiflora (flor da paixão) para a classificação botânica daquela planta. 

Oriunda da América do Sul (a maior variabilidade genética encontra-se no Brasil), esta planta correu mundo através das viagens marítimas dos espanhóis e portugueses. Não só a flor atraía curiosidade, como o fruto suscitava interesse. Sabemos que em 1818 é descrita a sua produção em Inglaterra com sementes de maracujá que os portugueses trouxeram do Brasil e fornecem aos ingleses. 

Felizmente que não soubemos apenas levar para outros destinos, mas que experimentamos a sua produção em território português. A Madeira e os Açores são locais de reputada produção, tomando neste último a proteção Denominação de Origem Protegida. Uma planta tão versátil pelos usos ornamental, alimentar e farmacêutico, só poderia ser de produção regrada obrigando a cuidados extremos em todas as fases. Sublinho o pormenor da polinização já que as flores tão lindas e perfumadas apenas estão recetivas durante um dia no período mais quente do mesmo e dependem muito da presença de insetos polinizadores como os abelhões, e besouros. Já as abelhas, que pelo tamanho não conseguem depositar o pólen nas outras flores, são desviadas para as sebes de rosmaninho e de urze de forma a não perturbarem este processo. Um dia a fazer a diferença na vida de uma fruta tão boa.  

Para mim, pelo aroma e sabor intensos, continua a ser o fruto da paixão, mas agora que sei a sua história, gosto de lhe chamar Maracujá.