Entretida a olhar a pequena baga amarela que espreita por entre aqueles véus feitos pétalas protetoras, dou comigo a pensar como os nossos preconceitos encolhem a nossa visão da geografia dos produtos. Ainda mais agora, que descobrimos que é bonito valorizar o autótone, o local, o daqui e o dali, o que é nosso. Genuíno dizemos, pensando que os produtos são filhos de uma única geografia e propriedade de uma única latitude. A verdade é que não é bem assim. Vem-me tudo isto à cabeça enquanto desfolho a Capucha e olho demoradamente aquele amarelo tentador antes de o pôr na boca. Mais conhecida por physalis, é pormenor em receitas requintadas e provoca a admiração pela beleza do pequeno fruto que se descobre por entre as delicadas sépalas que lhe servem de abrigo. Curiosa, vou procurar mais informação sobre este fruto tão formoso e descubro a sua origem para lá do Atlântico na região Andina. Um presente que há muito chegou à Europa vindo da América do Sul e que se sabe existir nos Açores, pelo menos, desde meados do século XIX. Edmond Goeze (1838 – 1929), jardineiro do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra aquando de uma expedição à Ilha de São Miguel, em 1866, descreve esta planta e os seus frutos entre as mais de 3000 espécies presentes no jardins encantadores do Sr José do Canto. Sabemos, por isso, que a presença desta planta por aquela ilha não é recente. Talvez esse passado explique a forma carinhosa e delicada como que tratam aquele fruto ao qual chamam de “Rebuçado”. De facto, por entre o embrulho de folhas transparentes, lá se encontra o gomo luzidio que parece mesmo um rebuçado. Descrito nos manuais botânicos como uma espécie bastante resistente a pragas e doenças, é uma planta que não pede muitos cuidados e chega a ser espontâneo no ciclo de produção. É, por isso, frequente encontrá-la, na Ilha de São Miguel, por entre vinhas e pomares onde recebe, ainda, a designação de tomatinho-da-capucha. Na classificação botânica, este fruto pertence à família das Solanacea, a mesma dos tomates o que, decerto, explica que nos Açores ele receba aquela designação e na Madeira seja chamado de Tomate Lagartixa. O naturalista inglês Richard T. Lowe (1802 – 1874), que estudou a flora do Arquipélago da Madeira, refere a existência em abundância desta espécie que crescia espontaneamente por entre as pedras basálticas e pelos caminhos das ravinas. Nos manuais botânicos refere-se que esta espécie está perfeitamente naturalizada na Madeira, quer no litoral, quer na média altitude. 

Para além de Tomate Lagartixa, também recebe a designação de Tomate Barrela na Costa Norte da Ilha. Talvez esta designação se fique a dever à antiga utilização da baga ainda verde como elemento fundamental nas barrelas. Usadas para “corar” a roupa branca, ou seja, torná-la ainda mais branca, incluíam os pequenos tomates ainda verdes que, ricos em alcalóides solanina e solanidina, ajudavam neste processo de branqueamento dos tecidos. Deliciada com aquele banquete de Capuchas (ou “Rebuçados”, a minha designação preferida), regressei à minha reflexão sobre as plantas que gostamos de dizer “que vieram de fora” como se fosse fácil definir o que é “nosso” e o que não é. Na verdade, a história da alimentação é um longo desfiar de produtos que foram aclimatados e adaptados a diferentes geografias. A vontade de provar diferente e de variar a alimentação sempre criou no homem a ambição de superar a ausência. E, neste caminho, levaram-se e trouxeram-se sementes, fizeram-se enxertias, cruzaram-se plantas diferentes. E, por vezes, quando assisto a conversas onde se debate a entrada de novas plantas como se tal fosse um sacrilégio eu penso nas muitas plantas que ao longo do tempo fomos buscar ou que alguém deixou. Penso em como somos muito mais felizes com as laranjas vindas da China, como devemos estar gratos pela herança árabe do limão, como a Idade Moderna representa um salto na alimentação com os produtos vindos do Novo Mundo. Enfim, como somos mais ricos com todos os produtos que viajaram até ao nosso território e aqui se naturalizaram. Gritar a destruição da paisagem com a plantação de novas plantas é não perceber que, desde que escolhemos a agricultura como modo de vida, mudamos a paisagem de acordo com os nossos desejos alimentares. Não há paisagem original. Existe apenas aquela que decidimos naquele momento segundo o nosso gosto e apetite. E tudo isto, porque o Verão é generoso e generosa foi a Isabel que me trouxe estes “rebuçados”…. Viva o Verão!