Arte, luxo, prazer, distinção, estilo de vida, gosto, conhecimento… o termo gastronomia está cada vez mais presente no quotidiano de quem trabalha com a comida e a mesa e de quem aprecia estes prazeres, que são também elementos do nosso património cultural material e imaterial. Mas, de que falamos quando falamos de gastronomia?
Gastronomia é o conhecimento relacionado com a cozinha e a mesa, e com o homem enquanto ser que se alimenta, escreveu Brillat-Savarin, no início do século XIX. Gastronomia é o prazer da mesa e da convivialidade em torno da comida e da bebida, indissociável da arte e da criatividade da cozinha. Gastronomia é a alta cozinha, associada a momentos de exceção alimentar e social e é também a tradição alimentar de um determinado território, valorizada, reinterpretada e trazida para o presente. Gastronomia é o discurso sobre a mesa e a possibilidade de escolha, que pressupõem conhecimento e recursos disponíveis, defendia Alfredo Saramago. É subjetividade e diversidade de gostos e de opiniões em torno da cozinha e da mesa. Gastronomia é a cozinha do quotidiano de uma região, são as tradições alimentares dos dias de festa e são os espaços de convívio em torno de uma refeição ou de um petisco. É o fruto do amor da geografia e da história, como refere Mina Holland.
As definições poderiam continuar… em concreto, podemos identificar três dimensões fundamentais implícitas no conceito de gastronomia: os produtos, a sua origem e os modos de os preparar – a arte da cozinha; a sociabilidade em torno da mesa – o prazer da mesa; os saberes e o gosto, quer de quem prepara, quer de quem é servido – o saber gastronómico. A arte de bem comer envolve assim os produtos, quer os ingredientes principais, quer os temperos e aromas de um prato, os métodos e os processos de preparação culinária, os livros de receitas e as receitas orais, os utensílios e os equipamentos de cozinha, bem como os espaços culinários, o empratamento, a estética da mesa e dos espaços envolventes, as louças, os talheres, os vidros e cristais, os tecidos, os elementos decorativos, os menus, as bebidas, os queijos, a doçaria, as festas, porque não há festa sem comida e sem bebida, e todos aqueles que dão sentido a este vasto conjunto de aspetos: os que produzem, os que vendem, os que preparam e os que comem. São eles, afirmava Brillat-Savarin, os agricultores, os viticultores, os pescadores, os caçadores, os Chefs e as suas brigadas de cozinha e, finalmente, os convivas.
É arte de preparar os alimentos, por forma a proporcionar o maior prazer aos que comem, precisa o Dicionário da Língua Portuguesa. O termo gastronomia tem origem na Grécia Antiga e, seguindo a raiz etimológica da palavra, significa “lei do estômago” (gastro = estomago + nomos = lei, norma, regra). Atribui-se a Arquestrato (século IV a.C.) a primeira utilização do termo. Arquestrato é autor de Hedypatheia, “vida de luxo” ou tratado dos prazeres, também chamado Gastronomia. Esta obra relata as suas experiências gastronómicas de viajante pelo mundo mediterrâneo e é considerado o primeiro texto a utilizar o termo gastronomia. Apesar da sua origem na Antiguidade, o termo só começa a ser utilizado a partir do início do século XIX. Em 1801 é publicado em França um poema intitulado La Gastronomie ou l’Homme des Champs à Table, da autoria de Joseph Berchoux. Supõe-se que o termo já circularia, o que terá levado Berchox a utilizá-lo. Em 1814, o escritor francês Étienne de Jouy, define gastronomia como “uma arte que tem agora as suas regras, a sua poética e os seus professores; as sociedades renderam-se ao seu culto; os almanaques propagam a doutrina dos gastrónomos.” Em 1826, Brillat-Savarin proclama gastronomia como ciência e define-a como “o conhecimento racional de tudo o diz respeito ao homem enquanto se alimenta.” O termo é reconhecido pela Academia Francesa em 1835, e em 1866, Pierre Larousse define gastronomia como “uma arte que merece caminhar a par com a literatura.”
A utilização da palavra gastronomia, nesse início do século XIX, traduz todo um conjunto de alterações ocorridas em Paris, no período pós Revolução Francesa, em torno da alimentação, da restauração e da vida social e intelectual. Surgem os primeiros restaurantes, publica-se o Almanach des Gourmands (1803-1812), e desenvolve todo um discurso em torno da cozinha e da mesa, dando início ao que hoje se designa por crítica gastronómica. Durante todo o século XIX e XX, a França marcou as tendências culinárias e gastronómicas na Europa. A partir do final do século XX, a gastronomia reinventa-se valorizando cada vez a especificidade de cada lugar e a capacidade de criar experiências diferenciadas. Criam-se novos conceitos para designar novas realidades. É o caso das noções de gastronomia local – ou sejam as dimensões e aspetos acima referidos indexados a um determinado território e à sua tradição alimentar, tornando-a património; de gastronomização ou de gastronacionalismo. Gastronomia tornou-se, na atualidade, um conceito cada vez mais polissémico, abarcando a possibilidade de uma vasta pluralidade de significados e de experiências.