Paulo Amado conversou em vídeo para a terceira série do Boca Mole com José Júlio Vintém (Tombalobos), Diana Reis (d’As Beatas) e Mariana Cardoso (Fumeiro de Santa Catarina) para iniciar um tomar de pulso ao atual momento da restauração em Portugal. Agora surge a mesma conversa em formato entrevista. Ei-la de seguida.
Paulo Amado (PA): Boa tarde, estamos aqui num direto, numa ponte entre Lisboa e Portalegre, estamos no Fumeiro de Santa Catarina com Mariana Cardoso, estamos nas Beatas com Diana Reis e em Portalegre com o José Júlio Vintém no restaurante Tombalobos. Hoje é o último episódio desta terceira série do Boca Mole. Os restaurantes já abriram, uns já abriram e outros ainda vão abrir. É um período difícil para o qual é preciso todas as forças necessárias e aqui estamos para conversar mais sobre força e coragem para seguir em frente. Vamos começar aqui primeiro pela Mariana Cardoso. Tu tens o Fumeiro de Santa Catarina que está ali perto do Bairro de Santa Catarina, fala-me um pouco de ti para te conhecermos e ao teu projecto?
Mariana Cardoso (MC): Pronto, o projecto vai fazer agora sete anos no final do ano. Eu sou de São Paulo, tirei gestão hoteleira, depois fui fazer uma pós-graduação em cozinha. Depois comecei a trabalhar em São Paulo em alguns lugares. Depois vim para Portugal, estive no Gemelli e com o Chakall um tempo. Depois decidi que era a altura de arriscar, abrimos e ainda foi ali naquele final de crise, fiz uma coisa com poucos recursos.
PA: Mas espera a crise anterior, não é?
MC: É, a outra, a outra.
PA: Mas o Fumeiro existe há quantos anos?
MC: Sete.
PA: Ok, boa. E que tipo de cozinha é que tens aí?
MC: Base portuguesa. A minha família é toda portuguesa e era o que comia lá em casa, tenho muitas referências familiares. E depois a gente fuma várias coisas aqui, desde molhos, frutas. A ideia não é que o prato seja extremamente pesado em fumo, mas sempre tem assim uns toques, e também há alguns elementos de cozinha brasileira. Às vezes dá-me para fazer uma feijoada, por exemplo.
PA: Estamos aqui só a fazer uma caracterização. O José Júlio já vi que tem ali o quarto filho dele de rótulo amarelo, o que é que é isso?
José Júlio Vintém (JJV): É o nosso primeiro enfrascado em 2008, foi quando nós começámos a fazer os nossos primeiros enfrascados e agora já temos uma gama mais vasta. Estamos nesta crise então estamos a mandar para todo o país estes enfrascados para as pessoas se deliciarem em casa.
PA: Mas tu és o fundador do Restaurante Tombalobos e proprietário, quanto anos já tem o Tombalobos?
JJV: O Tombalobos nasceu no dia 26 de julho de 2002, estamos quase a fazer 18 anos.
PA: Ok, tens um restaurante que faz uma abordagem à cozinha alentejana, verdade?
JJV: Sim, eu nunca tinha estudado hotelaria, mas resolvemos abrir o restaurante em 2002 e começámos a fazer logo uma cozinha muito minha, sempre tive uma interpretação de todas as receitas e transformava todas as receitas, algumas para melhor e pronto as pessoas ficavam muito tocadas por isso e sempre me diziam “olha tens que abrir um restaurante”. Abri o restaurante em 2002 sem conhecer absolutamente ninguém. Só em 2005 é que eu comecei a conhecer alguns nomes da gastronomia ou alguns chefes de cozinha, porque comecei a acompanhar, fui ao Congresso dos Cozinheiros para ver quem eram os cozinheiros que existiam em Portugal. Fui a San Sebastian, comecei a estudar um bocado o que é que se passava à minha volta.
PA: A ver as vistas e a dar nas vistas. Diana fala-nos um bocadinho sobre ti?
Diana Reis (DR): Eu vinha de uma área que não tinha nada a ver com cozinha, comecei na universidade com contabilidade, depois sai e fui para o exército onde estive sete anos. Quando sai decidi-me pela cozinha pelas semelhanças a nível hierárquico e essas coisas que me fascinavam na altura, vi que havia ligação e achei que me adaptaria na cozinha. Fui tirar o curso no Estoril e depois estagiei no Belcanto, no Feitoria, tirei também um curso de sushi com o chefe Paulo Morais, ainda trabalhei com ele no Rabo de Peixe e depois fui trabalhar para o Boi Cavalo, aqui em Alfama e depois ainda tive uma passagem pelo L’And. Voltei para Lisboa e trabalhei no Tapisco. Foi então que decidi abrir o meu restaurante, abrimos há cinco meses, em janeiro, estávamos muito no início e depois deu-se isto. O tipo de cozinha que fazemos aqui é cozinha portuguesa e do mundo, eu tento para mim na minha ideia de comida e eu acho que há ligação em tudo. A comida portuguesa tem ligação com o mundo em todos os pratos, então eu sigo também essa linha, apesar das pessoas acharem às vezes que não tem ligação, mas eu acredito que tem por isso é que eu faço essas ligações, procuro pelo menos.
PA: Ok, neste momento é essencial conseguir chegar ao cliente, não é? Ao cliente português, ao cliente estrangeiro a viver nas cidades, porque o turista vai demorar um pouquinho a vir. Como é que é, Diana, a conexão? Portanto tu trabalhavas para o mundo e para Portugal e agora tens que trabalhar mais para o bairro, não é?
DR: Pois, é isso, estou a repensar o conceito, nós antes só estávamos abertos aos jantares e agora temos ao almoço, também temos a opção de take away, tenho tido uma ou duas mesas por noite mas é bom porque as pessoas já começam a ver as pessoas sentadas a comer num restaurante. As pessoas têm medo, não sabem como é que devem estar no restaurante, porque é tudo novo. Todos temos regras eentão ainda estão todos assim com algum receio. O bairro da Graça tem mesmo estrangeiros a viver cá e continua a ser ainda também um bairro multicultural. Não estamos a falar só de portugueses do bairro e isso traz alguma vida à Graça. É obvio que os clientes com mais idade procuram outro tipo de comida típica de restaurantes mais tradicionais, mas eu quero também fazer parte de reeducá-los e dar-lhe a introdução a uma comida um bocadinho diferente. Também dar-lhes essa experiência porque esta parte da Graça não tem este tipo de restaurantes, é mais restaurantes típicos.
PA: Mariana, a Diana falou que as pessoas têm medo, qual é a tua opinião sobre isso?
MC: Sim só de andar na rua você já nota, já ninguém anda no passeio normalmente. Na verdade com clientes a gente ainda não trabalhou, a gente abre hoje para clientes, a gente teve o tempo todo a fazer take away. Aqui também acaba por ser um bairro um pouco complicado porque é um bairro antigo basicamente é quase tudo Airbnb então o bairro está assim, bem deserto. Eu tenho pouquíssimos vizinhos, que até vieram aqui pedir comida a apoiar, teve assim esse movimento que foi bonito. Olha não sei não faço ideia, é hoje que eu abro, mas de certeza que está todo o mundo receoso. Estamos aqui cheios de desinfectantes hospitalares, máscaras, luvas e boa vontade.
PA: Mariana uma boa ideia é dar-lhes esse sorriso de sempre, mesmo atrás da máscara.
MC: É, é o sorrir com os olhos, não é? Temos que aprender a sorrir com os olhos.
PA: A Diana abriu já antes de ontem, não foi? A Mariana está a abrir hoje e tu José Júlio quando é que abres?
JJV: Nós só vamos abrir em meados de junho em princípio, 5 ou 6 de junho, já temos reservas para essa altura. Aliás temos tido telefonemas todos os dias para reservas, mas estamos a trabalhar muito nos nossos produtos.
PA: Tu aproveitaste para recuperar um projecto que já tinhas na manga, não é?
JJV: O projecto já tem à volta de oito anos, não mais… já tem 12 anos e nós sempre tivemos este sonho de produzir estas conservas para vender no restaurante e para vender para fora. Neste momento estamos à espera de consultoria da Maria Ramiro para começarmos a fazer isto com selo de controlo veterinário para podermos vender para lojas, sem serem em take away. Nós temos vários produtos a realçar, a prediz de escabeche foi o primeiro. Esta conservas garantem-nos, nós já fazemos isto há cinco anos e guardámos algumas durante cinco anos e mandámos para análise agora e o controlo de qualidade deu-nos negativo, quer dizer que estamos sem bactérias, sem qualquer micróbio, quer dizer que isto tem um qualidade igual a qualquer conserva de atum. Podemos deixar em casa e passados 10 anos ainda está boa. E essa garantia dá-nos essa mobilidade de podermos vender por todo o país via CTT.
PA: Isso é algo que tu fazes a partir do teu restaurante, verdade?
JJV: Faço a partir do meu restaurante e a ideia é pedir a inspecção veterinária para termos o selo de controlo veterinário. No restaurante vamos protocolar o método de produção e portanto pretendemos produzir para outras superfícies não só de venda direta. Agora, sim, podemos fazer de venda direta sem o controlo veterinário. Ao acaso de querermos vender para mercearias, supermercados, temos que ter o selo de controlo veterinário e é isso que estamos atrás.
PA: Oh Mariana tu nunca pensaste em algum tipo de produto que possas disponibilizar de alguma maneira que não seja a convencional?
MC: Já, a gente está agora com essa ideia também de fazer peças maiores fumadas e fazer essa venda também para as pessoas fazerem e finalizarem em casa. A gente vai fazer um lombo fumado, já está em teste, a gente tem também o piano e se calhar vamos vender o piano inteiro para um refeição familiar estamos agora nessa linha também.
PA: Ok, e tu Diana, será que não podes pensar nalgum tipo de produto que possa ser complementar como este do José Júlio fez aqui?
DR: Sim, sim por acaso é uma excelente ideia.
PA: Podes ser uma inspiração para os teus colegas, mas diz-me lá José Júlio, isso rende? Dá para fazer negócio com um projecto desses?
JJV: Esta parte dos enfrascados era uma grande alavanca para nós, porque era assim, imagina o que é um cliente que vai a um restaurante e tem estes produtos todos disponíveis na carta e chega ao fim e diz “isto estava muito bom” e pode levar para casa. E ele faz uma média na sua refeição de 25 euros e depois leva 30 euros em produtos, portanto uma dupla faturação e duplicava, porque normalmente duplicamos a faturação no restaurante. Voltámos agora em força, vamos renovar esta imagem que está um bocadinho gasta. E estamos a pensar criar outros produtos que não sejam só provenientes de carne, mas também alguns de peixe e alguns de legumes. Sou apaixonado por legumes, temos essa pretensão de termos outras conservas e de termos o mercado mais alargado em termos de produtos.
PA: Ok, falando em mercado, é isso Diana? Tinhas pensado em jantares surge a oportunidade de repensar o tema do almoço, tens uma pequena esplanada que também podes reorientar. Estás a pensar sobre isso, não é? Tinhas uma ideia inicial, mas os pressupostos mudaram, é possível também afinar o plano?
DR: Ajustando, estou com ideias de ter caracóis, ter um happy hour com caracóis para aproveitar a esplanada e pronto. Um dia com pica-pau, outro dia moelas, mas sempre autoral, para ser diferenciado. E sim agora o futuro é ajustar, ver o que dá, o que não dá, o que é possível, o que as pessoas procuram. Também é preciso ler da parte do público o quê que eles querem e é a gente estar sempre com a nossa identidade, mas conseguir chegar até eles, é isso e é por isso que cá estamos.
PA: Hoje não foi com certeza ao acaso a escolha deste painel, temos a Diana que está praticamente a começar o seu negócio, temos a Mariana, que já tem o seu negócio num estado maduro e temos o José Júlio que já o teve em diferentes vertentes e até tem aqui algo para partilhar. Mariana já vamos a ti, mas acho que é importante falarmos outra vez com o José Júlio. Nós estamos aqui, esta não será a primeira, nem a segunda, nem a terceira, mas qualquer um de nós, pelo menos o Zé Júlio, já vivemos as últimas três crises. O Tombalobos já encostou e o Zé Júlio já foi para o Brasil. Tu és um homem de coragem, para ti é mais uma crise e tu tens que seguir em frente, verdade? Partilha os teu ensinamentos anteriores.
JJV: Nós abrimos na crise, em 2002 nós estávamos em plena crise, começámos muito devagar e a minha força para a Diana que começou agora é ter calma e isto só nos vai fazer mais fortes para resistir e aguentar a barra, como dizem também no Brasil. A tartaruga chega sempre mais depressa do que a lebre, porque a lebre distrai-se pelo caminho. Eu nasci na crise, passei por uma crise em 2011, muito, muito dura. Nós tínhamos um espaço que eu costumo dizer que estava na moda e eu acho que neste momento aqueles que estão na moda são os que estão a passar pior, porque uma pessoa estar na moda é uma faturação triplicada do que aquilo que é normalmente. Em 2011 estávamos a facturar muito bem, muito bem e de repente caiu tudo por terra. E eu decidi fartar-me disto e ir-me embora para o Brasil, para o Recife onde tinha muitos amigos. Decidi voltar porque não achei que o Brasil, muito sinceramente, fosse um país fácil para educar os meus filhos. Tenho três filhos por isso resolvi voltar a Portugal. Voltei numa época extraordinária. Igual à época que o Brasil estava quando voltei para lá. Eu voltei e comecei a trabalhar muito bem. E neste momento, esta crise, eu estou a passá-la de uma forma tão diferente que eu nem sei bem se é uma crise. Eu não sei, há crise, nós não estamos a facturar, mas o certo é que nós estamos a criar uma consciencialização do produto que é nosso, por exemplo as nossas conservas estão a sair muito. Estamos a vender muito, nós começámos a facturar aquilo que não facturámos em conserva. Estamos a vender bem, não é o ideal precisamos de facturar mais mas o certo é que as pessoas estão a consumir o que é português. Isso acho que é o ponto de partida da conversa a seguir a esta crise. O que mudou é que finalmente reconhecemos que o que temos em Portugal é bom e não precisamos de ir a outros países buscar matéria-prima para cozinhar o que é nosso. Não sei se são da mesma opinião do que eu?
MC: Sim, totalmente.
PA: Mariana já viu que ele até foi ao Brasil à procura de um tempo diferente, depois veio para cá. Há força e há possibilidade ou seja isto não vai acabar connosco, não é?
MC: Não, é mesmo a resiliência. Eu costumo brincar que o Fumeiro é muito pequeno então que nós somos um cacto com três pingas de água. Obviamente que ninguém quer, mas obviamente que é um espaço feito para ser resiliente, isso eu tenho consciência total. Não estou a sentir que não vai dar, vai custar, mas vai dar, lógico.
PA: Partilha um bocadinho a experiência com a Diana, porque mais uma vez é a gerente mais nova aqui no processo, então diminuí-se porque não se pode ter mais do que o número de pessoas, altera-se a carta?
MC: Altera-se a carta, reduz-se porque eventualmente cria-se coisas em blocos que você consiga usar o mesmo ingrediente em mais lugares, eventualmente tem que se usar quase como um lego na cozinha. A gente tem que ser mais inteligente, ser mais espertos, tem que ter atenção a tudo, não pode passar nada ao lado, nada.
PA: Outra coisa Mariana, nesta altura em que todos temos que dar um sinal aos clientes. O quê que é possível fazer? Toda a gente tem redes sociais, o mundo está ligado como se fosse uma rede social gigante com diferentes marcas,você está a fazer algum tipo de trabalho em redes sociais?
MC: Eu não sou maravilhosa nisso, na verdade bem pelo contrário, eu tenho até alguma dificuldade nessa parte. Eu aceito os conselhos dos outros.
PA: Então como é que é o [Fumeiro de Santa] Catarina está nas redes sociais?
MC: Está no Instagram and Facebook. Eu gosto de estar com as pessoas, mas por acaso nesta quarentena uma das coisas que fiz foi um curso de como trabalhar melhor no Instagram e esse tipo de coisas.
PA: E houve aí alguma conclusão para nos ajudares nisso?
MC: Eu tenho tentado puxar com coisas assim com algum humor. No meio desta loucura tentar procurar alguma leveza.
PA: Diana tu consegues meter leveza no stress que é estar a abrir? Tens que que conseguir não é?
DR: Tenho que conseguir, isso nem se põe se quer.
PA: Vocês têm redes sociais também, não é?
DR: Sim, sim, Instagram e Facebook.
PA: E tu, José Júlio?
JJV: Apesar desta crise, o nosso problema é a capacidade do restaurante ter reduzido, verdade? O meu restaurante tinha 60 lugares. Vai passar a ter 30 lugares. Se calhar para os vossos espaços até será possível o alargamento dos horários… Eu já vi clientes a pedirem-me horas diferentes para não se misturarem. O que eu estou a pensar muito seriamente é em reduzir os dias de trabalho. E nesses dias em que estou a trabalhar conseguir sentar pessoas do 12h às 23h sem ter uma diferenciação de almoço ou de jantar, mas sim uma experiência a qualquer hora do dia.
MC: Nós fizemos isso com o take away, porque eu comecei a pensar que muita gente estava muito baralhada nos seus horários. As pessoas almoçavam às 17h e por acaso a essa hora nós já tivemos muitos pedidos. Completamente fora de horas já ninguém sabia se era de dia se era de noite.
JJV: E agora na abertura como é que foi?
MC: A gente ainda não abriu, vamos fazer um horário mais estendido, vamos fazer das 17h30 às 23h, antes era a partir das 19h. Vamos abrir ao domingo também que era uma coisa que a gente não fazia. E na verdade as coisas vão ter que ser feitas à medida daquilo que formos sentindo e do que está acontecendo. Não dá para ser estanque agora, absolutamente não dá.
PA: Vocês já tomaram todos contacto com estas informações da Direcção Geral de Saúde? Vamos lá comentar isso. O restaurante já tinha as suas exigências e agora tem aqui mais umas quantas especificidades. Diana, a coisa ficou para ti logo clara?
DR: É assim, as orientações elas existem, mas há dúvidas de ambas as partes e há contra informação. Há pessoas que dizem uma coisa, pessoas que dizem outra. Uma pessoa fica um bocado perdida. Cada um tem a sua interpretação e depois chega-nos cá pessoas ao restaurante que a sua interpretação foi um bocado diferente. Nós temos que ter consciência que nem todas são práticas. Na teoria é tudo muito bonito e faz sentido, mas na prática não. E a dificuldade que eu tenho tido é explicar ao cliente que eu percebo e que não sou eu que estou a impor, mas ao mesmo tempo não posso obrigar. É quase uma cedência minha, uma cedência dele. Isto agora é com a prática.
PA: Há uma divisão tripartida, proprietário, funcionário e cliente. Todos são chamados à responsabilidade. Curiosamente até o cliente é chamado à responsabilidade dizendo “no restaurante enquanto se desloca tem que usar a máscara” e tem que ter comportamentos que não o coloquem nem a si nem aos outros em risco. Mariana, tu sabes que quando for para cozinhar não precisas de usar máscara?
MC: Já sei, mas eu não sabia por acaso. O Prós e Contras acabou por esclarecer várias coisas. Não tinha essa noção, fiquei aliviada.
PA: Mas porquê?
MC: Numa questão de segurança, até para passar segurança para os outros, mas não sei vamos ver o que acontece hoje.
PA: Há o tema da própria saúde da pessoa que tem máscara, porque está ali a gerar um ambiente fechado.
JJV: Mas isso sempre assim foi, não é? Se tivesses de gripe ias para casa e não ias trabalhar, não é?
PA: Pois, justamente.
JJV: Eu nunca quis funcionários meus no restaurante a trabalhar com gripes, mandei sempre para casa três dias. Não pode ser.
PA: Mas a restauração já tem essa tradição, essa consciência de que está a trabalhar para os outros.
JJV: Come-se com mais higiene em alguns restaurantes do que em muitas casas, porque tudo o que nós mandamos à mesa supostamente deve ser cozido, abatido a temperatura como deve ser, refrigerado como deve ser. Os restaurantes sempre tiveram um plano muito rígido e não é este vírus que nos vai alterar praticamente em nada. Nós a única coisa que temos que fazer é o acesso do cliente e o tratamento do cliente tem que ser feito da forma como vocês estavam a dizer, tem que ser uma responsabilidade mútua. Não pode ser só o restaurante a ser responsabilizado. Tem que ser o restaurante e o cliente. Eu não posso andar de polícia. O que é certo é que a educação do cliente foi esta primeira parte destes dois meses que serviram para educar o cliente. Agora a nossa parte é servi-lo.
PA: Como assim?
JJV: Eu já vi imensas tentativas de pessoas a quererem entrar em supermercados sem máscara, imensas tentativas de pessoas a quererem furar o esquema e portanto elas no restaurante como vão pagar têm sempre uma ideia do quero, posso e mando e acham que devem mandar no restaurante, porque vão pagar, mas o estado já os educou ao dizer “meus amigos, ou vocês põem a máscara ou o dono do restaurante pode dizer põe a máscara ou eu não o sirvo”. E não pode fazer reclamações nem ir para o TripAdvisor fazer queixinhas. Têm que cumprir as obrigações.
PA: Poder, podem. Mariana, e luvas?
MC: Não sou muito a favor de luvas, não é uma coisa que eu adoro, acho que dá uma falsa sensação de segurança. Lava-se a mão, passa-se álcool, as vezes que forem precisas e ponto final. Eu nunca gostei de luvas.
PA: Muito bem, falando de agora de futuro. É o último programa como vos falei, falemos de futuro. O quê que você Mariana quer? O quê que deseja, o quê que acha que vai acontecer?
MC: Olha eu não sei, estou numa fase assim de bastante incerteza e até deixando as coisas andarem. Não sei, confesso que não sei, mas olha gostava de ter um espaço maior.
Paulo Amado – Esse espaço é arrendado?
MC: Não.
PA: Ah ok, não pode se transformar num bar e arranjar outro espaço? O país vai voltar a ser o que era ou perdeu características?
MC: Acho que vai levar bastante tempo até Lisboa voltar a ser o que era. Eu acho que o país eventualmente até ganhou características.
PA: E tu, José Júlio?
JJV: Eu acho que temos um futuro muito promissor em Portugal, principalmente em Lisboa. Lisboa neste momento, apesar de tudo, está a ser procurada pelos franceses, como vocês sabem há imensos franceses e estrangeiros a viver em Lisboa. Lisboa e Portugal estão a ser vistos como seguros. Em termos de segurança policial, em termos de segurança pública e em termos de saúde pública, até agora era uma segurança que ninguém falava. Com este vírus Portugal, não sei se com as medidas do governo, se com a população por si só demonstrou um civismo e uma capacidade altruísta de mostrar essa segurança saúde pública que vai trazer-nos imensos turistas, que nós ainda não estamos a receber, mas que vamos receber muito em breve. Dentro de muito pouco tempo, quando aliviar a tensão e quando o vírus começar a ser combatido, pelo próprio ser humano e não por vacinas, e não pela Direção Mundial de Saúde. O que eu quero dizer com isto é que eu prevejo um futuro em termos de turismo muito próspero e prevejo nós todos daqui a oito anos vamos olhar para trás e dizer “aquela crise foi o que nos alavancou em termos mundiais e gastronomicamente”.
PA: Eu acho que é uma possibilidade que o mundo talvez tenha aumentado a vigilância sobre o próprio mundo, por exemplo eu posso dizer os países que estão melhores e estão piores porque eu vou vendo todos os dias os telejornais e podes crer que para aqueles que estão piores eu não vou ter vontade de ir. E nós como felizmente temos mandado essa mensagem que estamos a lidar com esta crise de uma maneira que tem tido uns bons efeitos, quer-me parecer que é capaz de se virar a nosso favor. Diana, isto é aquilo que tens que pensar quando levar mais tempo a entrar clientes pela tua porta.
DR: Sim.
PA: Vocês não acham que nos abrimos todos mais uns para os outros, que agora damos mais atenção uns aos outros? Estamos mais disponíveis para amparar. Viram exemplos disso?
MC: Sim, muitos. Talvez pelo facto de as pessoas se estarem a sentir mais frágeis também estão a olhar para o outro a pôr-se no lugar do outro, a perceber o outro e as suas fragilidades. Eu vi muitas coisas bonitas.
PA: E tu José Júlio sentiste a solidariedade, foste solidário com os teus colegas?
JJV: Sim, sinto que as pessoas começaram a ir mais ao comércio local, vejo-o mais frequentado. Tenho falado com algumas pequenas mercearias que eu frequento regularmente com produtos aqui da região e eles esgotam tudo, não têm mãos a medir e noto essa solidariedade para com as pessoas do bairro. Também noto que existe uma grande procura do produto nacional, como já tinha falado à pouco. As pessoas antes nem sequer sabiam quem é que vivia na janela do lado e agora cantam todos juntos às janelas, começaram a falar com o vizinho da frente e começaram a criar interações dentro do próprio bairro e dentro desses prédios, desses ambientes. De certeza que agora toda a gente se conhece, sabe o que se passa a consegue pedir ajuda e recebe. Eu acho que essa foi a principal mais-valia deste isolamento social também.
Paulo, eu queria homenagear-te por este Boca Mole, foram entrevistas que eu acompanhei a maior parte delas e sempre com gosto. Quero dar-te os parabéns pela tua capacidade de moderação e a tua capacidade de entrevistar que saiu também muito mais forte desta crise.
PA: Obrigado, tem sido um desafio para todos. Assim sendo é um adeus, mas é também um até já. Termino convosco com um sinal de restauração independente, de restauração que acredita em que é preciso ter coragem para seguir em frente. Termina aqui esta terceira série do Boca Mole. Vou dizer pela primeira vez o nome do patrocinador: agradeço à Paladin, ao Carlos Coelho e a todas as pessoas da IVITA e das Edições do Gosto. Na vossa pessoa agradeço a toda a gente que passou por aqui. Obrigado a todos, é importante resistir e seguir em frente.
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