Paulo Amado conversou em vídeo para a terceira série do Boca Mole com Óscar Correia (Diretor Gastronómico Grupo Plateform), Luís Antunes (Crítico Gastronómico/Vinhos) e Dálio Calado (Diretor de F&B Pine Cliffs Resort) para iniciar um tomar de pulso ao atual momento da restauração em Portugal. Agora surge a mesma conversa em formato entrevista. Ei-la de seguida.
Paulo Amado (PA): Abriram os restaurantes hoje, dia 18 de maio, o programa vai para o ar amanhã, dia 19. Estou aqui em directo a partir de Santa Apolónia com o crítico gastronómico Luís Antunes, na Bica do Sapato, o director gastronómico Óscar Correia, em Oeiras e o director de comidas e bebidas, Dálio Calado, na praia da Falésia. A ideia é poder com vocês que hoje ainda não estão dedicados ao tema da restauração na operação do dia, porque ainda não estão ao serviço nesta hora ou pelo menos as vossas unidades umas já abriram outras não abriram, mas é conversarmos aqui um pouco sobre isso. Luís Antunes, tu sentes saudades de visitar os restaurantes?
Luís Antunes (LA): Sinto saudades. Nas últimas semanas tive muitas saudades das coisas mais simples, às vezes não era tanto de visitar os restaurantes ou de comer bem, felizmente em casa e em casa de amigos íamos conseguindo comer relativamente bem no confinamento, mas tenho saudades do contacto humano. Daquilo a que o Óscar a seguir vai chamar de Hospitalidade. Ainda ontem via no telejornal, um entregador daqueles da Glovo e da UberEats a comentar que às vezes ia entregar comida a casa de uma pessoa e os miúdos vinham à porta e ficavam todos contentes só por falar com alguém que não era da família ou a professora via internet. Portanto essa parte humana da restauração, não é menos importante do que a parte da comida. Na parte da comida tinha saudades de muitas coisas, evidentemente, ainda hoje telefonei para vários sítios para ver se estavam abertos em primeiro lugar e em segundo lugar se por acaso não tinham arroz de cabidela, mas o que eu senti mais falta durante estes tempo foi uma imperial bem geladinha e um café como deve ser sem ser aquele café caseiro das cápsulas. Já fui comer fora hoje, no primeiro dia que é para perceber um bocadinho como é que estão a fazer e a reagir. Estão a reagir bem, devagarinho que é o que é apropriado. Vão criando pouco a pouco confiança e sim, Paulo, tinha muitas saudades de sair,de falar com pessoas, de sentar num restaurante, de comer e de ser apaparicado pelos nosso profissionais da restauração.
PA: Óscar, as pessoas, sempre as pessoas, as pessoas vão ter grandes desafios, aqueles que entram pela porta a dentro, aqueles que as recebem e aqueles outros que têm um papel chave na gestão de tudo. Há um novo papel chave para aqueles que recebem, as pessoas que fazem parte do front office e que neste últimos anos estariam eventualmente um pouco longe dos holofotes. O que é que te apraz dizer?
Óscar Correia (OC): Eu concordo plenamente que chegou a altura em que a sala tem um papel preponderante na retoma da restauração e da hotelaria, penso que são eles os agentes de segurança e confiança trazendo mais minutos positivos aos momentos de cada um. E portanto incluindo estes minutos positivos que têm que começar a ser gerados pelos próprios num espaço onde toda a intervenção humana faz parte desta energia que nos leva a ir aos restaurantes, aos bares, às cafetarias, aos botecos e aos quiosques e todos atraídos pela extensão do produto em que provocam. Acho que as pessoas hoje vão ter um desafio primeiro. Se se lembrarem do filme do Charlie Chaplin ou do mais recente Mr. Bean, estes conseguiram de certa forma, coreograficamente, interagir e conectar-se ao seu público sem terem que falar. Agora com a máscara tendo um filtro à frente deste sorriso invisível, dar um abraço invisível vai ser ainda mais desafiante, mas acredito plenamente que a humanização e a hospitalidade vão ser mais do que nunca importantes para que esta energia possa chegar a cada um de nós, para que a refeição possa ter o sabor daquilo que é no fundo a extensão da paixão por quem recebe, por quem cozinha e transforma.
PA: Dálio, desmultiplicando aqui estas opiniões dos nossos colegas de debate hoje, o que é que um hotel precisa de fazer junto dos seus colaboradores para que o cliente continue a sentir este sorriso mesmo que ele tenha máscara?
Dálio Calado (DC): Portanto é o secret smile, acho que o que os hotéis precisam de saber é treinar, treinar e reinventarem-se. A indústria da restauração dentro da hotelaria já estava no caminho certo em que os hotéis deixaram de pensar só na experiência do tal heads in beds, ou seja dos quartos, e passaram com as novas tendências e a ter um peso maior na restauração sendo isso um ponto diferenciador de uns para os outros. Acho que a partir de agora em relação ao nosso staff, e em relação às pessoas que trabalham nos hotéis, que as normas de HACCP já eram bastante pesadas no mundo da hotelaria e que irão continuar a ser e especialmente mais ainda agora, mas a palavra é treinar, formar e pôr de certa forma toda a gente estável neste novo normal, que eu acho que é um ponto extremamente importante. E não só na parte do cliente que irá ter que se ajustar às suas actividades comportamentais. Eu dizia isto na sexta-feira, acho que é extremamente importante educar o cliente, mas também pôr todas as pessoas que trabalham na hotelaria confortáveis no seu distanciamento laboral.
OC: Dálio, isso parece uma masturbação intelectual, um gajo quer ir a um restaurante e a única coisa que quer é sentir aquela saudade na memória dos tempos de há dois meses que nos faziam sentir felizes e de realmente querer abraçar as pessoas que nos visitam e comunicar através da comida. Portanto agora temos este desafio.
LA: Mas Óscar, uma coisa que constatei hoje e que agora também constato no teu discurso é que nos últimos tempos, antes de haver o desconfinamento e quando se ia percebendo as novas regras, havia um grande desafio que era preciso vencer o medo, ou seja, não era só o restaurante estar aberto, era preciso que as pessoas lá quisessem ir. E a tua expressão, aquela memória daqueles sítios onde nós fomos felizes acho que é uma expressão bastante bem encontrada, porque é precisamente isso. Nós temos agora uma oportunidade de ouro, juntando ainda naquilo que tu disseste a mesa como a cara do restaurante sempre foi, mas eventualmente nunca teve esse prestígio, esse protagonismo esteve lá mas era um bocado implícito agora vai ser muito mais explícito. Temos que juntar então o medo a desaparecer e eu já vi sinais de que as pessoas não têm muito medo e à medida de que as pessoas vão começar a experimentar restaurantes e a comunicar com outras pessoas sobre a desinfecção, sobre as máscaras no restaurante então essas pessoas vão criar mais confiança e vencer o medo. Número dois, voltar aos sítio onde as pessoas foram felizes, número três, levar talvez uma percepção nova, coisas que nós dávamos de barato e que era tu cá tu lá, em particular numa cidade grande, porque na cidade grande nós comemos fora todos os dias e agora há um valor nisso, nós sentimos essa saudade, nós agora vamos regressar com vontade de agradecer esse valor. É uma oportunidade de ouro para a restauração. Não devemos pensar pela negativa, devemos pensar pela positiva. Quem agora souber receber bem, vai ganhar clientes que não teve durante muito tempo e vai dar muito mais satisfação.
PA: Oh, Antunes deixa-me perguntar-te isto, eu sei qual é a tua opinião antes de todo este acontecimento, mas não sei qual é a tua opinião agora. O Dálio referiu esta ideia de educar o cliente. Tu achas que o restaurante tem que educar o cliente?
LA: Eu acho que se deve treinar todos, o cliente e a casa. Todos nós temos que nos habituar a isso, nós agora não nos cumprimentamos com um cumprimento de mãos, se calhar mais facilmente damos um abraço do que um aperto de mão, que apesar de tudo é mais distante ou seja todos nós estamos a treinar novas coisas e portanto não acho muito que seja a missão do restaurante treinar o cliente no sentido específico. Eu acho que o nosso cliente é um cliente muito evoluído em termos gastronómicos ao contrário do que se pensa, apesar de muito pouco dinheiro e de muito poucas viagens o nosso cliente sabe aquilo que quer. Por exemplo, a água, o povo português é muito esquisito com a água, outros povos põem-lhe a água da torneira e ele bebem, o povo português tem um sentido do gosto muito apuradíssimo. Não me venham com tretas, eu sei que os intelectuais da comida gostam muito de dizer que “somos uns labregos” e não somos nada. Estudem, informem-se, falem com a vossa mãe e a vossa sogra como é que ela fazia uma sopa de feijão, que levava uma manhã inteira a fazê-la e depois não me venham dizer que somos um país de labregos, que não percebem nada de comida. Agora neste momento, o que nós temos que fazer é reeducarmos activamente para a nova situação e se calhar isso inclui dar o alerta para coisas que nós dávamos de barato. Normas de higiene básicas, por exemplo quando povos não ligam nenhuma à lavagem de mãos depois de ir à casa de banho e a verdade é que se há 100 anos em todo o mundo se morria por não lavar as mãos, neste momento num país evoluído, não se morre por não lavar as mãos. Agora no COVID, voltou a morrer-se por não se lavar as mãos e então tudo isso é preciso reaprender-se colectivamente, porque não basta sermos um de nós a fazer bem, porque se não fizermos todos bem alguém se vai lixar no meio de isto tudo.
OC: Luís achas que se os restaurantes eram maus era porque tinham maus clientes e agora na retoma vão fazer esta transformação holística de maus restaurantes que vão ter melhores clientes ou os maus restaurantes vão continuar a ser os bad boys cá da oferta gastronómica?
LA: A tua pergunta é uma pergunta complicada, mas a política é o reflexo daquilo que nós somos e os restaurantes são o reflexo do que nós somos, tudo é o reflexo do que nós somos e as coisas reflectem em nós e nós também somos o reflexo disso tudo.
OC: Então tu como crítico quais é que achas que vão ser os novos orgasmos gastronómicos?
LA: Um amigo italiano dizia que havia os orgasmos gástricos, mas vou dizer-te uma coisa de uma preocupação que eu tenho visto. Vejo muitos chefes de cozinha de restaurantes de alto nível muito preocupados em voltar a fazer cozinha barata, ou seja, gente que fazia alta cozinha e que agora faz hambúrgueres e vende não sei o quê. Sou sincero. não sei se isso é o caminho, eventualmente esses restaurantes mais caros se tinha afluência antes também vão ter afluência agora, há tanto desejo nessas coisas como antes. Tenho a certeza que a Ferrari não vai começar a fazer carros baratos lá por causa da indústria automóvel ter abrandado. Eu penso que vai continuar a haver espaço para todos. Agora cada um é que sabe do seu negócio. Se os restaurantes de alta cozinha estão a competir com os tascos vai acontecer aquela coisa de que morre toda a gente.
OC: Olha, o Paulo disse uma coisa interessante, há menos clientes, mas também é verdade se vocês partilham desta ideia que talvez nos últimos dois anos assistimos a uma grande interiorização nas gastronomias no mundo inteiro e po tanto agora chegar à perspectiva terroir… perceber o pedigree de cada restaurante envolvido de determinada zona o quê que faz desse restaurante o destino ou o meio para nos deslocarmos das cidades e irmos a determinados sítios onde agora queremos identidade. Queremos realmente voltar um bocadinho aqui na memória onde fomos felizes e como é que esses restaurantes realmente agora se podem reinventar quando os gastronómicos de uma maneira ou de outra eram tanto internacionais como todos os outros.
DC: Eu acho que concordo contigo Luís, que o paladar português é um paladar exigente. Eu acho que vamos entrar numa nova era na restauração e quando tu falas em chefes que querem fazer coisas baratas, se olharmos para o mercado estrangeiro já havia um apetite dos fine dinings fazerem comida de conforto, comidas das quais nós crescemos e comemos. Eu acho que será de facto interessante e deverá existir uma portugalização dos menus em Portugal. Se antes da crise havia esta globalização da cultura da utilização de ingredientes e de experiências estrangeiras misturadas com a nossa comida eu acho que vamos entrar numa era em que o que é local é melhor do que qualquer coisa, eu acho que vai haver uma troca das diferenças. Agora o que eu acho é que a exigência vai continuar lá, a exigência vai ser a mesma os espaços estão reduzidos, mas a exigência vai ser maior.
PA: O papel da alta gastronomia… gostava de explorar um pouco isso Dálio. Que papel é que tu achas no quadro atual da economia e do turismo tiveram os chefes de cozinha e a alta gastronomia em Portugal?
DC: Gigante. Nós estávamos numa afirmação da cozinha e dos chefes portugueses além fronteiras, não nos podemos esquecer disto. Os últimos dois, três anos têm sido fulcrais em ter a comida portuguesa e a cozinha portuguesa na boca do mundo. Ainda há pouco, ouvia o que o Henrique Sá Pessoa a dizer que vamos ver muito mais portugueses nos nossos restaurantes e há restaurantes em Lisboa e no Porto em que o target deles é muito estrangeiro e que neste momento iremos ter um target de portugueses e será interessante ver como é que estes chefes de nome irão ter que se ajustar a clientes novos.
PA: Isso é o futuro, que eu te perguntei foi sobre o passado. De que maneira é que os chefes de cozinha contribuíram para este reconhecimento, se é que contribuíram em Portugal?
DC: Claro que contribuíram.
PA: Turismo gastronómico existiria sem chefes de cozinha a fazerem esse papel?
DC: Não, nós não estaríamos onde estamos sem essa participação dos chefes que é fulcral.
PA: Ok, Óscar tens alguma coisa a acrescentar sobre isto?
OC: Eu tenho que vir agora aqui em defesa do Dálio, numa perspectiva diferente. O passado fez com que o nosso estilo de vida através dos chefes, dos nossos produtos, do sabor português, tivesse evoluído também para um nível internacional e isso juntou muitas mais do que aquilo que era a dita gastronomia de referência dos países com maior exposição mediática através dos seus chefes. É verdade que houve um esforço de todos dos média, dos políticos, do turismo para fazer chegar Portugal também de certa forma com a sua expressão gastronómica através dos chefes que nós temos. E tu como sabes que foste sempre um impulsionador e defensor da gastronomia portuguesa e especialmente o palco que é onde os chefes há mais de 20 anos transitam. E tu foste um palco que não só criou acessos como pôs pessoas a pensar cozinha, pessoas a pensar pastelaria, pessoas a pensar padaria, pôs pessoas a pensar os valores periféricos e culturais que fez com que certos produtos também de certa forma chegassem ao patamar onde chagaram agora. Também o João Rodrigues com o projecto Matéria foi uma ideia que de certa forma foi transformando várias pessoas pelo caminho e contribuiu para esta portugalidade viesse ao de cima. É inato que este percurso foi muito importante até agora. A continuidade deste percurso, porque não vamos perder a alta gastronomia, conseguimos de certa forma ganhar quota de mercado, conhecimento pela nossa maneira de receber aquilo que eu também acho é que a partir de agora.
Agora, a extensão desta criação vai necessitar primeiro da equipa de sala para fazer os números, porque vamos necessitar de sustentabilidade, vamos continuar a precisar desta nossa hospitalidade tão típica portuguesa, a sala vai ter um papel preponderante, seja na alta gastronomia, seja no boteco. Agora a minha questão aqui é perceber como é que nós conseguimos de certa forma poder ser diferenciadores neste mundo, conseguir juntar causas onde possivelmente tu nas tuas tertúlias e viagens que fazes pelo país onde já tens pessoas que fazem facas, pessoas que têm um determinado produto e portanto agora acho que estas personagens também têm que ter alguma visibilidade, mais do que aquilo que já tinham para que o conceito gastronómico associado a esta causa possa fazer com que o cliente diga “ok, porquê que eu tenho que ir a Lisboa, porquê que eu não vou a Olhão, porquê que não vou aquele determinado sitio”, porque agora para além da cultura gastronómica também tem a cultura popular e provavelmente vão lá ter pratos de alguém, que faz lá pratos, vão ter lá provavelmente ter lá produtos e causas que vão fazer com que a oferta gastronómica seja ela em que posicionamento for faça mais sentido. Vai haver quase com que fosse uma economia de 360 graus onde vai envolver toda a gente. Já não é só os chefes, já não é só o serviço, é o sector todo primário, é o sector da comunicação, é todos para todos.
PA: Ok, é toda uma cadeia. Antunes, tu há pouco falavas do tema de nos espelharmos uns aos outros e o que eu te pergunto é o seguinte: tu achas que este sector é um sector equilibrado? O papel da mulher por exemplo, o papel de integração de outras culturas, coisas que nós achamos que damos por parte, porque somos uns tipos porreiraços, somos os portugueses, o povo mais hospitaleiro do mundo, mas veja-se a nossa hospitalidade. Em que ponto é que está? Achas que ela está equilibrada do ponto de vista destes temas mais sociais e humanos que não os económicos e os gastronómicos; do ponto de vista da oferta?
LA: É difícil dizer que uma coisa está desequilibrada, porque regra geral este tipo de sistemas basicamente procuram pender para o equilíbrio ou então encontrar os seus equilíbrios próprios. E se o equilíbrio neste momento é este, vamos dizer que gostávamos de ter mais mulheres nos restaurantes de topo, mais étnicos ou o que seja, é difícil uma pessoa dizer que isso é que era justo, porque regra geral é um sector bastante aberto em que todas as pessoas tem direito à sua iniciativa. Acaba por acontecer o que a sociedade de um modo geral permita que aconteça. Não há mais mulheres, assim como não há mais mulheres administradoras de grandes empresas ou nos topos das forças armadas, ou ministras. Há sectores onde isso acontece mais e onde isso acontece menos, mas vamos dizer que em abstracto onde isso acontece menos, mas se nós olharmos de fora não, não é equilibrado e nós gostávamos de gerar mais equilíbrios. A questão é como a ecologia, não é o que que cada um pode fazer em cada dia para que contribua, para tirar esses desequilíbrios. Eu não posso agora para gerar mais equilíbrios colocar mais mulheres e despedir homens, não pode ser, isto tem que ser orgânico. Agora repara numa coisa Paulo, ainda voltando ao assunto anterior, eu já na altura do grande sucesso da internacionalização da nossa cozinha, via uma discussão que era uma discussão que agora faz mais sentido: a localidade, a pegada de carbono, todas essas coisas que nós vamos utilizar muito mais por aí em diante. Havia uma noção que nós podíamos fazer isto, devíamos colocar isto, no sector mais básico da restauração ao sector mais alto da restauração. Quando eu abro um restaurante numa avenida em frente à praia no Algarve e olho para a minha clientela e digo “isto é só ingleses e alemães” eu estou a tentar fazer o mesmo que o grande chefe de cozinha faz quando faz gastronomia molecular no topo da pirâmide… isto é um ponto um bocado polémico. E já se notava principalmente em Lisboa que um turismo que viesse cá e fosse interessado em comida eles procuravam ir a um ou dois restaurantes de alta gastronomia e o resto das refeições todas faziam em tascos, tentando descobrir a maneira de viver do português.
PA: Mas ele veio cá pelo tasco ou pela alta gastronomia?
LA: Eles querem vir sentir o que é ser português, eles vem cá provar o que de melhor nós fazemos e nós vimos o movimento que os chefes de alta cozinha fizeram há muitos anos. Começando logo no Vítor Sobral há 20 ou 30 anos a fazer um movimento de valorização da nossa cozinha, no sentido de fazer da nossa cozinha também a hipótese de ser alta cozinha, mas também muito de ir buscar coisas locais, provar dentro de um estilo local. Podemos inovar mesmo dentro das coisas tradicionais. Agora que os turistas vão demorar mais tempo a chegar, os mais bem posicionados pode continuar a fazer alta cozinha apelando na mesma ao que é ser português, porque o português também não quer só comer couves com feijão todos os dias.
PA: Vamos lá Dálio, de novo o futuro nas tuas mãos, o tema dos turistas, tu que trabalhas numa unidade hoteleira no Algarve, já começaram a cair as reservas dos estrangeiros, portugueses ou estamos tramados?
DC: Estamos reticentes, vivemos num período que não deixámos de acreditar naquilo que é o factor Reino Unido no mercado algarvio, mas estamos muito reticentes, porque em relação à abertura do espaço aéreo, especialmente dos voos directos para o Algarve, mas ao mesmo tempo estamos bastante confiantes no mercado português. Acho que nós aqui vamos tentar lutar por aqueles portugueses que nesta altura escolhiam ir para o estrangeiro e que este ano vão tentar passar férias em Portugal e então temos que ajustar e dar mais valor ainda ao mercado português e talvez aos espanhóis, caso os aeroportos não abram ou caso as pessoas também não tenham essa confiança de se meterem dentro de um avião. Nós também não sabemos o factor psicológico, como é que isto irá afectar o mercado da aviação.
PA: Mas já há reservas ou não?
DC: Já há reservas e continuam a haver as reservas.
PA: Ok, boa uma esperança. Óscar, precisamos de nos motivar de esperança. Que desafio tem, em teu entender, um gestor deste sector no dia de hoje em que estamos a ver a abertura dos restaurantes? Abertura que se crê que será parcial, naturalmente virá aquele momento em que os restaurantes terão mais e mais até terem a sua capacidade total disponível.
OC: Eu penso que o gestor hoje em dia, como sempre, tem que colocar uma questão que é que conhecimentos é que nós temos de certa forma sobre os restaurantes e a restauração gastronómica e perceber como é que conseguimos passar este conhecimento para quem connosco trabalha. Acho que a importância sobre as pessoas tem que estar numa filosofia de primeiro instância como um objectivo principal do que é abrir um negócio. O objectivo do negócio é fazer dinheiro. A nível do desafio que hoje temos é que temos que perceber como é que as pessoas se sentem, como é que elas estão a viver a vida, como é que conseguimos seguir em frente olhando para o presente e para o passado. Há bocado o Luís disse uma coisa que eu gostei muito, não é que os outros não estejam a dizer coisas, mas a perspectiva do Luís, a que eu acho que ele estava a querer tocar era uma perspectiva para tentar perceber que a nossa origem gastronómica, este sentir Portugal é sentir os nossos antepassados, é sentir as nossas raízes. Antes da alta cozinha já tivemos a cozinha palaciana a onde de certa forma era uma arte gastronómica ao contrário de uma linha geral no país inteiro a cozinha tradicional ou regional e portanto a cozinha tradicional ou regional era uma cozinha lenta era uma cozinha de tempo e hoje temos uma pausa no mundo. Será que esta pausa nos está a fazer consumir menos e a consumir na altura certa aquilo que há para consumir ou vamos continuar a procurar depois desta pausa de consumir aquilo que precisa de tempo para crescer? Porque nós hoje sabemos que a alta gastronomia passou a ser a textura e passou a ser o trabalhar o cadáver, de certa forma, de muito produtos, para criar texturas, criar novas sensações, criar novas emoções, mas eu nunca vi a lista de aditivos químicos possivelmente que fazia parte destas confecções porque todos nós sabemos que nas últimas décadas que muitas das gelificações, das espumas e etc. Ninguém nos clarificou o que é que aquilo queria dizer. Aquilo na verdade eram só texturas. Agora o ponto que eu quero chegar é será que esta pausa vai nos conduzir humanamente para voltarmos à simplicidade, fazer um reset e aproveitar um bocadinho do que é agora esta nova vertente do ritmo e desaceleramos um bocadinho ? Apesar do número de restaurantes que continuaram a operar na hotelaria com o seu mercado, vamos fazer isso… como é que eu vou através das pessoas poder levar um novo caminho para uma nova gastronomia, vamos ter tempo para isso.
PA: Eu estava a querer saber do ponto de vista do gestor da restauração, que preparação é que ele precisa de ter que perspectiva humanista. Tu estavas quase a chegar lá.
OC: Tem que saber fazer contas, mas tem que perceber o que é que é valor para uns e o que é que é motivação para outros e o que é que é necessidade para outros e depois põem isso tudo numa boa amálgama a cozer durante uma determinada hora se o pnl sair positivo foi uma boa receita, se o pnl sair negativo tem que mudar a receita.
LA: Oh Óscar, a propósito do que estavas a dizer e a propósito do que o Paulo estava a perguntar, eu estava aqui a pensar e acho que isso também é uma oportunidade. Nós todos que ficámos em casa sem poder ir a bares e a restaurantes levarmos agora um novo entendimento, e levarmos um pouco de solidariedade e em vez das pessoas se queixarem tanto. As pessoas agora ao regressarem podem ter uma apreciação diferente e ajudar alimentando com o nosso dinheiro no sector que nós gostamos que exista. Perceber se nós não alimentarmos todos morrem ou pelo menos morrem muitos dos seus membros. Eu acho que isto pode ser também uma boa oportunidade.
OC: Eu acho que há uma oportunidade do ponto de vista de gestão da renda em vez de ter um custo fixo ter um custo variável, consoante aquilo que eu facturo assim pago a renda.
PA: Bem, última ronda de perguntas tem que ver com o que podemos fazer para que os turistas voltem? Dálio, vai lá com promoção, vai lá com fidelização? Se tivessem feito uma campanha para promover Portugal lá fora que aspectos é que tu destacarias?
DC: Eu acho que estamos a ter uma felicidade nos números que temos tido em Portugal, por si só está a trabalhar como uma campanha de marketing, basicamente é isso, não há cá segredos. Acho que não só as promoções que é assim que é o valor, o valor da experiência que irá dar aos clientes o resultado de vir, mas se formos olhar neste momento nenhuma unidade hoteleira está a descer por aí os rankings, portanto o preço médio dos quartos não estão a descer, o preço médio já está a crescer. Acho que realmente que temos tudo que é bastante forte na curva do COVID e a projecção que está a ter lá fora e com o presidente americano também a ligar para o presidente português para saber o que é que estamos a fazer cá… Mas acho que esse tem sido o melhor marketing à parte depois daquilo que estávamos a falar da projecto mundial que estamos a ter antes do COVID, não só com os chefes, mas também quer dizer que nesta área da gastronomia, há também a importância do vinho, a imagem que o vinho está a projectar lá fora.
PA: Bom se é de vinho, temos aqui o Antunes, para promover Portugal. Pontos essenciais que vamos ter que dar enquanto consultora especializada, como é que a gente que vai fazer a campanha?
LA: É simples, mostrávamos o nosso desempenho que toda a gente gaba, foi sorte os governantes que tivemos à frente, ninguém sabia gerir isto, e eles souberam fazê-lo bem e o nosso povo também soube actuar bem ou seja encaixávamos bem, não como cordeirinhos, mas tivemos bom senso e agora vamos esperar que o desconfinamento também não contribua para gerar catástrofes. É fundamental para gerar confiança, temos confiança, temos um bom capital e vamos continuar a manter isso e funcionando devagar, mantendo essa boa imagem que somos apelidados muitas vezes internacionalmente que somos hospitaleiros. Se queremos atrair pessoas lá de fora acho que é isso que temos que fazer. Obviamente o nosso turismo depende muito das pessoas que vêm de fora. Por isso para mim parece-me muito simples, agora que vai haver a segunda ronda em quase todos os países , nós fazíamos uma campanha que dizia “segunda onda, venha confinar-se em Portugal é o melhor sitio para você se confinar”.
PA: Ok, Óscar quais eram as linhas fundamentais que nós tínhamos que dar aquela agência que tinha que fazer a campanha sobre a promoção em Portugal para os turistas regressarem a Portugal?
OC: Acho que o facto de abrirmos agora a porta pode trazer casos importados. O importante era pensar com o sim em mente ou iniciar com o fim em mente e a melhor campanha seria aquela que conseguíssemos passar a imagem de que aqueles que nos visitam vão ter que ter a segurança para cá permanecer, para não vir dar cabo daquilo de bom que foi feito cá dentro e portanto penso que esta psicologia invertida ou em prática era inverter todo o processo. Portanto se pensarmos com o fim em mente, talvez a melhor campanha seja começar já lá à frente, fazer com que as pessoas possam ter a experiência ou desenhar a experiência de pensar e vir novamente para Portugal perceberem se vierem para cá o que é que os espera.
LA: O vinho é muito simples, o vinho em Portugal faz parte da nossa maneira de viver, da nossa maneira de comer, da nossa maneira de receber. Portanto o vinho como sempre esteve em Portugal para nós, faz parte das nossas vidas, mesmo quando era mau. Agora temos a sorte porque o vinho em Portugal melhorou muito, está muito bom. O vinho vai ser só uma das coisas que nós temos boas em Portugal para oferecer que é uma mais valia para Portugal.
PA: Boa, bem vocês foram excelentes convidados, quase sempre, agora já sabem saíam daí e vão reservar um jantar num restaurante, pedir um delivery ou então ir lá buscar. Obrigado e é preciso continuar. Adeus.
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